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A Noite do Dia 12 (2023) | Um suspeito a cada esquina

Foto do escritor: Raissa FerreiraRaissa Ferreira

Filme investigativo de Dominik Moll busca as problemáticas burocráticas e de gênero no mundo policial, onde todos os homens são possíveis suspeitos



A volta para casa em uma noite escura é sempre um cenário de horror para uma mulher sozinha, mas, para Clara (Lula Cotton-Frapier) há uma sensação estranha de segurança pela pacata cidade em que vive. Os momentos iniciais do longa se dedicam ao crime, levando a crer que toda pista aqui poderá ser útil no desenrolar da investigação, da forma como a mulher se movimenta ao gravar um vídeo para a melhor amiga, até a interação com seu assassino. Porém, em pouco tempo é possível entender que o objetivo do longa não é se aprofundar num modo investigativo de um típico suspense policial. O time de policiais, todo composto por homens, segue as pistas mais óbvias, seguindo um roteiro bastante protocolar de trabalho, indo atrás de cada suspeito que é dado a eles, sem realmente engajar em busca de novas pistas ou caçadas mais agitadas por respostas. O que ocorre é que enquanto trabalham no caso, os policiais desenrolam, na verdade, uma observação sobre todos os problemas mais burocráticos que emperram investigações - orçamentos apertados, pouca estrutura, pouco incentivo e desmotivação - e uma reflexão sobre papéis de gênero e como as diferenças sociais entre homens e mulheres acabam em tragédias, quem investiga esses crimes e como eles são apurados. Nesse processo, Dominik Moll quase consegue passar batido das frases de efeito e dos maiores clichês, mas ainda se escora neles em alguns momentos para pontuar sua intenção de debater o machismo.


Para tornar essa discussão parte central do caso, o filme usa principalmente o detetive Yohan (Bastien Bouillon) e seu colega Marceau (Bouli Lanners) que já estão cientes e expõe a todo momento as fragilidades do sistema em que trabalham, mas começam a se incomodar aos poucos, por meio do assassinato de Clara, com a forma que o mundo trata e vê as mulheres, analisando suas próprias masculinidades a partir disso. O mais importante para o longa é esse olhar, que não se preocupa em revisitar momentos da vítima ou construir sua personalidade ao longo da investigação, ainda que algumas características sobre ela possam ser montadas a cada novo suspeito que aparece, o que se dá é uma sucessão de homens ameaçadores que constroem por meio de seus depoimentos um mundo hostil onde essa mulher vivia, cercada de possíveis agressores e assassinos. Portanto, há um afastamento da personagem que evidencia que Clara poderia ser qualquer mulher, em qualquer lugar.



Aos poucos esse destrinchar da vida da vítima se torna um incômodo latente em sua amiga e em Yohan, que gera um exemplo de frase de efeito desnecessária para a narrativa, mas que conversa diretamente com o momento em que vivemos agora, em que temáticas relevantes se tornam muito mais atrativas se vierem com mensagens bem claras para o público. A verdade é que é bem claro o que o filme quer dizer, sobre esse abismo que separa homens e mulheres e as torna vítimas constantes, num sistema desigual que nem sempre é capaz de resolver esses casos, mas ainda assim, Moll separa alguns momentos para realmente dizer o que quer dizer. A equipe formada apenas por homens faz parte dessa intenção, até pela própria busca interna que acontece nos personagens, mas é só quando algumas mulheres começam a surgir nesse processo que as coisas parecem começar a andar e realmente abraçar mais o lado investigativo do cinema. A nova juíza é um ponto de virada que traz alguém realmente interessada em mudar as estruturas para resolver o caso e a nova colega de polícia, Nadia (Mouna Soualem), parece ser a única que realmente vai atrás de novas pistas e de encontrar soluções. Não é que Yohan não estivesse motivado, até porque passa boa parte do filme extremamente conectado com o caso, mas são esses olhares que realmente fazem algo acontecer, mesmo que nunca se encontre realmente um culpado certo.


Apesar de ser um tanto fora de tom em alguns momentos, como na morte da mulher em câmera lenta com uma trilha quase poética e nos diálogos explicativos sempre entre o detetive e alguma mulher, essa construção que expõe todos os homens como peças defeituosas da sociedade, carregando violência, ódio, ciúme, agressividade, tudo prestes a explodir, é efetiva e traz esse tom pessimista silencioso, que mesmo quando dá alguma esperança, se mostra um beco sem saída. Não há lugar seguro quando se é mulher, pois qualquer um que cruza seu caminho é suspeito.


Nota da crítica:

3/5


Filme assistido a convite da Sinny Assessoria e Comunicação e Pandora Filmes

A Noite do Dia 12 chega aos cinemas em 12 de Julho.


 


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