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BIFFF 2025 | Commission

Em filme de estreia, Shin Jae-min trabalha temas perturbadores, com dificuldade de os traduzir imageticamente

Commission review

A vida adulta repleta de frustrações de Dan-kyung (Kim Hyun-soo) já parece a trama perfeita para um filme de terror contemporâneo. Trabalhando na mesma área que a irmã, só que sem nem a metade do reconhecimento e, pelo que dizem, do talento, ela se contenta com um emprego mediano de assistente de professora em uma escola de artes e vive uma vida tímida, sempre à sombra das coisas que realmente deseja. O interesse romântico, um de seus alunos, pouco repara nela além do profissional e acaba se relacionando com uma de suas colegas professoras, que revela grande talento e é selecionada para uma carreira na empresa dos sonhos de todos os artistas do meio. Constantemente menosprezada, não seria difícil imaginar essa jovem mulher surtando a qualquer momento.


Como desenhista de webtoons - que são histórias em quadrinhos digitais, famosas na Coreia do Sul, país de origem de Commission -, Dan-kyung encontra um lugar na dark web em que finalmente consegue se expressar por meio de sua arte e ainda por cima ganhar um bom dinheiro. O problema é que esse campo obscuro em que pessoas vendem suas obras encomendadas (chamadas de commissions, como no título) serve justamente para ilustrar desejos grotescos, ilegais, absurdos e tudo que há de pior na mente humana. É aí que o estreante no cinema, Shin Jae-min, tem alguma dificuldade em lidar com o que apresenta.


Quando Dan-kyung entra no site e oferece seus serviços de arte, uma das respostas que chegam na tela pedem um desenho que envolve uma criança de apenas um ano. A mulher, ainda bem inocente, esperava pornografia hard core, mas talvez não imaginava o tipo de coisa doentia que chegaria. O que gera repulsa nela, logo é ultrapassado e a desenhista cede ao grande valor oferecido. Commission adentra esse universo perverso, observando sua personagem perder a cabeça aos poucos, enquanto encontra uma forma de expressar seus demônios em desenhos repletos de horrores, no entanto, o filme é suave e esconde boa parte disso tudo. Não é que a câmera simplesmente desvie o olhar, mas muitas vezes os itens são jogados em tela com uma censura pixelada ou embaçada por cima, em outras tudo passa rapidamente e é picotado. 


Há essa dificuldade em saber se o longa quer encarar de frente a perversidade sem perder a ética ou a esconder totalmente por medo do teor do que propõe, o que acaba soando como certa imaturidade, ao optar por trabalhar temas tão densos sem saber como os abordar imageticamente. O interessante na dinâmica de Dan-kyung com sua arte é justamente o magnetismo que há nesse espaço ilegal, que produz violência em forma de imagens digitais, ao mesmo tempo em que é a única forma dela obter reconhecimento por seu trabalho, chegando mais perto do sucesso da irmã, e expressar seus verdadeiros sentimentos, como a raiva e a inveja daqueles que atravessam seu caminho ou atingem tudo que ela mesma não consegue. Mas, por Commission não saber muito bem como ocultar ou o que mostrar, enfraquece um tanto a potência dessa relação.


Não demora muito para que as ações, que Dan-kyung inocentemente acredita apenas terem efeito no campo digital, se transportem para a realidade. Sua arte macabra passa a se traduzir em mortes reais e um de seus fãs se revela um psicopata que é uma das únicas pessoas a enxergar o potencial de sua arte. Nesse ponto, a inabilidade de Commission de ilustrar em tela e dimensionar narrativamente o talento artístico de seus personagens, prejudica a relação com a pessoa espectadora, que pode apenas deduzir pelo que é dito ao longo do filme que a protagonista não seria tão boa assim, enquanto sua irmã seria um gênio. Mas não há nada em seus desenhos, que possa ser visto no longa, que realmente construa essa ideia.


Enquanto Dan-kyung trabalha com um artista experiente e famoso, seu punho começa a ter sérios problemas pelo esforço repetitivo. Nesses momentos, Commission flerta com um body horror, como se a protagonista, lentamente enlouquecendo pelas frustrações artísticas, passasse a sentir fisicamente em seu corpo a deterioração mental, também de sua atuação macabra na dark web. Mas, acaba que as dores não vão a lugar nenhum. O filme demora mais do que precisaria para encontrar formas de se fechar, principalmente ao trazer o psicopata tão próximo do centro da narrativa, mas ainda demonstra qualidades no caminho, destacando-se a relação com a arte que Dan-kyung amadurece ao longo da obra.


Para um filme que vai sempre em linhas tão pesadas, Commission esconde bastante o jogo e não encara de frente os monstros dos quais fala. Enquanto filme de estreia, vê-se bastante potencial a ser lapidado e uma progressão bastante interessante de sua personagem principal, sempre em busca do holofote que a irmã conseguiu naturalmente, pelo talento. 



Nota da crítica:

3/5


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