BIFFF 2025 | Daniela Forever
- Raissa Ferreira
- 18 de abr.
- 4 min de leitura
Atualizado: 21 de abr.
Nacho Vigalondo trabalha a comédia romântica, tentando reconectar seus fios pela ficção científica, em trama repleta de referências e clichês
Você já viu essa história antes. Ou melhor, já viu fragmentos dessa história em outras obras. Nicolas (Henry Golding) é apaixonado por sua brilhante namorada Daniela (Beatrice Grannò) e quando ela tragicamente morre em um acidente sua vida se torna triste e dolorosa. Com seu círculo de amigos também em luto, mas muito preocupados com o rapaz deprimido, Victoria (Nathalie Poza) resolve apresentar a ele um tratamento alternativo com um remédio experimental. Mas, antes da pessoa espectadora compreender essa trama, a tela já apresenta uma variação, em fotografia e razão de aspecto. Como Daniela Forever vai misturar diversas ideias já usadas, Nacho Vigalondo tenta inovar na forma, o que, muitas vezes, pode ser a grande salvação de um filme. O conhecido diretor espanhol, cujo último trabalho mais popular foi provavelmente seu longa de monstros com cara de blockbuster Colossal, trabalha agora a comédia romântica, na tentativa de reconectar seus fios de outra maneira.
O clichê da realidade e sonho que se misturam, é apresentado em Daniela Forever a partir da tela. O widescreen colorido, que poderia ser mais atrelado a uma noção do que está de fato ocorrendo, pois é o formato tradicional do cinema mais difundido atualmente, logo é desvendado como, na verdade, sendo o universo que Nicolas entra quando está dormindo, após tomar seu medicamento. Sua vida real é muito mais triste e com menos cor, apertada em um quadradinho no meio da tela, com uma textura que remete aos filmes B em VHS. A droga que faz o homem ter sonhos lúcidos, é usada de maneira imprópria. Sua função seria auxiliar em um tratamento para que ele se livrasse da dependência emocional e do luto, mas ele decide ignorar todas as instruções e controlar sua mente para continuar a vida ao lado de Daniela, mesmo que tudo seja uma ilusão.
O fator que mais chama a atenção é justamente essa forma como Vigalondo divide o que Nicolas está vivendo. Como o mundo dos sonhos é visualmente mais atrativo e, curiosamente, muito mais real, enquanto sua vida acordado é difícil de enxergar, com uma textura e com atuações que fazem tudo parecer fabricado, Daniela Forever romanticamente ilustra a vivência do luto como um simulacro da realidade, então as memórias se tornam o lugar confortável. No entanto, a armadilha de lidar com uma trama repleta de obviedades, clichês e referências, torna a história menos interessante, com lampejos que soam até mais refrescantes, mas sempre vão acabar sem grandes feitos.
Quando Daniela e Nicolas se fantasiam de tubarão com uma arma e vampiro comum com motosserra, por exemplo, caçoando dos direitos autorais e se divertindo em seu mundinho controlado, é fácil se lembrar de quando em Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, o casal corre tentando fugir do apagamento na mente do namorado deprimido. Ou quando Nicolas decide alterar a realidade do passado, pois para ele mais importa que Daniela esteja viva e bem, a intenção remete a Efeito Borboleta. As ruas e paredes nunca vistas por ele, que se tornam cinzas e estranhas nos sonhos, lembram A Origem. Enfim, a costura é cheia de retalhos e nem sempre parece que Vigalondo trabalha essas ideias nada originais ou frescas de uma forma própria.
Como o longa já inicia após a morte de Daniela, tudo que a pessoa espectadora tem para a conhecer são as memórias de Nicolas e sua idealização em sonhos. Mas, fascinantemente, a mulher parece criar consciência e traços dela passam a ser apresentados de forma independente, sua sexualidade, o romance com Teresa, seus receios e desejos. Nem tudo é mais parte de como o namorado a conhecia, ela é uma artista, afinal, portanto criar é mais parte de si, do que ser a criação de alguém. Existe então o embate entre o amor que permite ao outro ser livre e existir, e a obsessão que busca controlar e só enxerga uma projeção de como a outra pessoa deveria ser.
Nicolas revela-se um homem controlador e desesperado e passa a apagar a memória da amada, dizer quem ela conhece ou não, reconstruir sua vida em seu mundinho facilitado pelos remédios. Como o filme apresenta esses momentos com muito mais clareza, é difícil para quem assiste não ver, de fato, essa Daniela como real. Então passa a importar pouco a Daniela Forever como a indústria que fornece as drogas ao protagonista está atrás dele, quais serão as consequências vividas no mundo acordado ou qualquer implicação concreta no destino de Nicolas. O filme se importa mais em emaranhar sonho e realidade, que atravessam as formas como são apresentados, e libertar Daniela dessa lógica egoísta.
Vigalondo mistura ideias e gêneros, como de costume, mas sempre procura respostas românticas em Daniela Forever. De como as lembranças soam mais coloridas do que a realidade dolorosa e do maior clichê de todos, de que amar é permitir ser livre.
Nota da crítica:
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