BIFFF 2025 | It Feeds
- Raissa Ferreira
- 11 de abr.
- 3 min de leitura
Chad Archibald faz horror com sabor dos anos 2000 que não atinge grandes feitos, mas também não se complica
“As pessoas acreditam na ciência, não no espírito”, pode ser uma frase bastante arriscada e perigosa de se usar em um roteiro hoje em dia, mas, It Feeds, na verdade, chega trazendo algo do passado, a atmosfera e dinâmica típica do terror do começo dos anos 2000 e alguma fé na fantasia. Chad Archibald, que também assina o roteiro, coloca seus personagens para realmente se movimentarem em torno da ação, buscarem respostas, solucionarem problemas ativamente, algo que talvez tenha ficado um tanto de lado ultimamente no cinema e que é refrescante de se ver. Não só os recursos modernos, como celulares e a internet, são pouco utilizados, forçando que as pessoas de fato se encontrem, falem, se enfiem nas situações umas com as outras, como esse também é um longa que não enrola nem um pouco para jogar a pessoa espectadora em seus demônios. Em poucas cenas a trama começa a rodar e o roteiro segura bem a espiral de acontecimentos, dando conta de contextualizar todos os seus núcleos e personagens, amarrando seus traumas do passado e presente.
Trauma, inclusive, se tornou uma muleta para muitos filmes de terror que evitam a frontalidade e contornam a fantasia pelo viés dramático. Ainda que o tema seja um clássico do gênero e não uma novidade, a abordagem preguiçosa a ele, principalmente usando protagonistas femininas, tem sido cada vez mais constante. It Feeds trabalha tropos clássicos e clichês, porém, ainda assim, tem uma visão interessante, especialmente na criação visual de atmosfera. O filtro esverdeado que permeia boa parte da fotografia com certeza não é seu ponto alto, mas, curiosamente, remete a um trabalho marcante de Ashley Greene. Aqui, a atriz é a protagonista Cynthia, e ainda que não seja mais uma vampira que consegue ver o futuro, possui outro tipo de dom mediúnico. Usando o embate também comum da crença contra a ciência, a mulher é uma terapeuta que usa alternativas espirituais para ajudar alguns pacientes.
Voltando aos anos 2000, há um filme corajoso de terror que conversa bastante com o novo trabalho de Archibald, A Cela, em que Jennifer Lopez vive uma jornada bem similar. Mais do que isso, ambos os filmes aproveitam os passeios das terapeutas nas mentes de seus “pacientes” para brincarem com o visual, de figurinos e maquiagens, até cenários infernais. As roupas extravagantes, góticas e sensuais que J.Lo usou há 25 anos, bem como seus batons escuros e as imagens impressionantes que ajudavam a compor a mente de um serial killer, parecem inspirações para o que It Feeds traz agora. E, ainda que não tenha o mesmo potencial dos cenários grandiosos, talvez por ser um filme independente, é competente em suas ideias.
Quando a filha de Cynthia, Jordan (Ellie O’Brien) é sugada para dentro da trama e acaba virando a nova hospedeira da entidade faminta (que por algum motivo e sem explicações só quer se alimentar de mulheres), a dinâmica familiar vai se tornando cada vez mais importante. A sequência de traumas não superados, dons hereditários, e a união afetiva que se forma para vencer um mal espiritual, vai de encontro a como Mike Flanagan costumava trabalhar em seus primeiros longas. A entidade tem toda a cara do Sobrenatural de James Wan, não muito longe também dos anos 2000.
Ainda que seja possível nomear conexões, o que realmente parece acontecer em It Feeds é esse resgate ao horror antes do streaming e um apreço por lidar com os temas por meio do gênero. O resultado mostra mais vontade do que efeito e vai de encontro a muitas referências anteriores, porém denota uma capacidade de lidar com limitações. De maneira mais interessante que o restante, a luta é basicamente corporal, embora as personagens estejam lidando com o campo psicológico. Quando Cynthia entra no que seria a mente da entidade, não há nada além de um simulacro do inferno, visceral, que só pode ser combatido fisicamente, não por uma superação emocional. Esse lado coexiste, mas não é tão importante, deixado para um desfecho menos empolgante.
Com um elenco de nomes conhecidos, como é o caso também de Shawn Ashmore, It Feeds consegue equilibrar seus personagens, mesmo os que não tem lá muita personalidade. Em dado momento, com tantos núcleos apresentados, há um receio que o longa vá escorregar e se perder, no entanto até a amiga de apoio bem peculiar (Juno Rinaldi), que parece sem sentido na narrativa, revela-se um alívio cômico decente. Archibald mostra uma boa visão dos pontos fracos para trabalhar ao redor deles e manter o longa interessante sem se complicar demais. No fim, It Feeds se mostra um bom aperitivo para quem tem saudades do cinema de horror das locadoras.
Nota da crítica:
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