Investigando os vícios emocionais criados pela tecnologia, David Borenstein viaja o mundo mas não realiza nenhuma conclusão a partir de suas descobertas
Provavelmente hoje em dia o mundo se divide entre pessoas que estão preocupadas com os efeitos das redes sociais e celulares em nossas vidas e no futuro e aqueles que estão tão imersos em seus aparelhos que não pararam para pensar nisso ainda. É assim que a premissa e a promessa de David Borenstein se torna tão atraente, lidando com um tema tão presente em nossas vidas e já largamente abordado pela arte em diversas formas, é esperado o mínimo de originalidade aqui, portanto. Ao não se apegar apenas em sua própria realidade e o que o cerca, Borenstein viaja além da sua Dinamarca para conhecer as manipulações e indústrias criadas nos Estados Unidos, Rússia, China e outros, da máquina das fake news até os trolls desocupados, dos fetiches atualizados para a era da distância digital até a terceirização do afeto. Can’t Feel Nothing tem como objetivo principal compreender como sentimos as coisas em um mundo limitado pela tela do celular, ou melhor, como são criados os sentimentos para nós. Apresentando facetas já muito conhecidas e outras talvez mais obscuras para o conhecimento geral, o diretor que se coloca constantemente no filme ao mesmo tempo como investigador e aprendiz tenta trazer um tom cômico para suas observações, culminando em um desespero pela sociedade atual e em uma ausência de conclusão, como se caminhasse o mundo todo para não chegar a lugar nenhum.
Cada mundo visitado pelo filme traz seu próprio recorte de realidade, homens que sentem afeto por mulheres limitadas a pequenas telas em lives, pessoas que encontram prazer em uma dominação aliada à vigilância digital, países em que vender fake news é mais lucrativo que ser médico e homens que espalham ódio nas redes para conseguir alguma atenção. São histórias que geram milhares de reflexões e pensamentos não apenas sobre o digital, mas sobre a sociedade em si, o machismo, o psicológico destruído que espelha suas falhas no uso descontrolado da tecnologia, e as pessoas que se aproveitam dessas fraquezas para fazer dinheiro. Caberia uma análise sobre o capitalismo, sobre colonização, sobre masculinidade, sobre tantas coisas, mas a escolha de Borenstein vai para as empresas que fabricam emoções, analisando por expressões faciais como cada estratégia afeta o público, se alinhando a algo que parece uma pseudociência para dar liga às suas narrativas. Tudo soa mais complexo do que o documentário quer se aprofundar, e enquanto um especialista quase grita de desespero para que as pessoas parem de usar seus celulares dessa forma, ou partilha uma emoção sobre seus filhos, o diretor se coloca distante e mais preocupado com tentar ironizar cada situação.
Faz sentido que sua busca seja sobre a manipulação das emoções, quando atesta desde o começo que não é mais capaz de sentir nada. As redes sociais e celulares nos deixam adormecidos e quem ainda está vivo busca algo real para fugir de toda artificialidade vendida, mas é um tanto frustrante assistir como ele parece mergulhar em caminhos tão superficiais, ou por medo de se aprofundar em algo mais desanimador e perder seu bom humor, ou por incapacidade de fazer as perguntas certas que levariam a uma conclusão mais alinhada com seus objetivos iniciais. Então, Can’t Feel Nothing é como caminhar em uma estrada em busca de algo e ver seu guia sempre chegando perto, mas parando para olhar uma vitrine e se distraindo com ela. Não à toa, seu desfecho inclui um troll se apaixonando por uma de suas vítimas, uma bizarrice que apenas o mundo atual e estadunidense poderia nos proporcionar, totalmente abandonado pelo narrador e condutor, deixando o caso falar por si como última peça deste quebra-cabeças largado. Um filme tão limitado quanto a própria lógica que o faz existir.
Esse texto faz parte da cobertura da CPH:DOX Copenhagen International Documentary Film Festival 2024
Nota da crítica:
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