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Foto do escritorRaissa Ferreira

Crítica - Avenida Beira-Mar (2024)

Com olhar doce emprestado, Maju de Paiva e Bernardo Florim demonstram confiança em suas personagens e um carinho pelo tema que segura suas fraquezas

Avenida Beira-Mar (2024)

Conhecer Mika (Milena Gerassi) pelos olhos de Rebeca (Milena Pinheiro) confere a Avenida Beira-Mar mais do que a perspectiva infantil que é inevitavelmente doce e gentil com a descoberta do novo, mas também garante que a própria menina se apresente como se vê, como se identifica e quer ser enxergada pelo outro. Maju de Paiva e Bernardo Florim removem, portanto, qualquer julgamento ou dedução que a pessoa espectadora poderia depositar em uma eventual introdução ambígua da personagem que, embora seja misteriosa em suas atitudes tímidas e sorrateiras pela vizinhança, é extremamente didática e firme em sua identidade. Essa posição do longa que respalda Mika é uma ferramenta sutil mas bastante poderosa, principalmente quando compreende-se que a atriz ainda muito jovem que a representa também é uma adolescente trans. Não é apenas como a obra trata sua temática além do material apresentado, também com uma preocupação na hora de selecionar quem trabalhará em sua equipe, mas, mais do que isso, a tratativa da própria narrativa que acolhe uma personagem fora do protagonismo, afinal, Mika é coadjuvante na trama, ainda assim dando-lhe grande destaque e respeito por sua história e existência. São os olhos de Rebeca e sua perspectiva que guiam quem assiste, é por sua vivência que se conhece a amiga e vizinha, mas é Mika a responsável por estabelecer sua imagem e permitir uma visão de sua vida e personalidade. Dessa forma, é difícil não sentir a diferença da construção familiar de Rebeca, que torna os pais da amiga caricaturas muito mais simplistas, exceto por um ou outro momento mais sensível com a mãe, embora esses pontos que enfraquecem o filme também consigam se justificar pela ausência da observação na intimidade da personagem, já que só é visto e trabalhado o que depende de Rebeca, o restante vaga por sua mente ainda muito jovem que imprime menos complexidade no que não consegue compreender. 


Ainda assim, há um encantamento que se dissipa sempre que Avenida Beira-Mar se desloca da dinâmica quase mágica entre as duas amigas para partir para uma seriedade adulta que claramente não cabe em sua perspectiva. Se é muito difícil para Rebeca acessar com profundidade o relacionamento familiar de Mika, justificando como dito anteriormente o simplismo maniqueísta dos pais, então a dupla de cineastas parece tentar dar passos maiores do que podem sempre que acenam alguma humanidade na mãe, uma preocupação, afeto e incompreensão. Sobra muito mais a noção infantil de resolver tudo fugindo de casa e desses tratamentos irracionais, do que espaço para lidar com um relacionamento frágil com ao menos uma pessoa que talvez tenha capacidade de compreender e aceitar a filha. Claro que se Avenida Beira-Mar se passasse nos dias de hoje, provavelmente a conclusão sobre os pais seria muito mais rápida e fácil, mas o filme se estabelece no tempo em algum lugar ao fim dos anos 90 e começo de 2000, quando Titanic fazia sucesso nos cinemas e os orelhões ainda eram muito populares. O que parece ser Niterói, é um quase vilarejo de poucas pessoas e preconceitos que soam bastante atuais, mas percebe-se esteticamente seu lugar no passado. É assim que a força e certeza de Mika se tornam embates mais complexos a uma família com todo esse contexto, o que pode ser sentido e pensado por quem assiste, mas não pode ser exatamente considerado na narrativa, visto que o ponto de vista de Rebeca pertence àquele tempo e à sua própria idade e personalidade, a tornando um lugar de segurança, uma amiga acolhedora que jamais questiona como Mika se apresenta, mesmo com todos os preconceitos e absurdos que escuta e presencia ao seu redor, pelo contrário, faz questão de a defender se preciso.



A amizade que vai sendo construída sem pressa, remove a atenção de Rebeca de outras preocupações comuns de sua fase de vida e momento de transição, bem como consome o tempo do que mais poderia ser detalhado na história. A separação dos pais, a doença da mãe (Andréa Beltrão), ludicamente inserida em uma brincadeira ou vista de forma mais sombria em seus sintomas, a mudança de casa e escola, e a solidão de estar em um lugar diferente. Se há mais questões pessoais que a menina sofre, essas são soterradas pelo que ela precisa lidar agora com a nova amiga. Rebeca chega a mencionar uma incompreensão da mãe por seu isolamento na escola, mas isso também se perde. Avenida Beira-Mar quer se concentrar em Mika sem usar seu olhar, pegando emprestada a perspectiva de Rebeca para que a pessoa espectadora tenha sua mesma gentileza, compreensão e empatia. É de muitas formas bonito, em seus gestos e intenções, mas também deixa pontas perdidas que incham sua narrativa em lugares menos doces de acompanhar. Ainda assim, mostra feitos interessantes, principalmente por como quer dizer tudo a partir de suas imagens e não se escorando em textos expositivos. Há muita confiança na dupla de meninas que brilha bastante quando se une em suas próprias visões de mundo, quase esquecendo o que há de mais cruel quando se cresce. O conhecer, ser apresentado ao novo e compreender o que vem de fora é bonito em sua simplicidade, assim como o trabalho das atrizes.


Filme assistido na programação da 32ª Edição do Festival MixBrasil da Cultura da Diversidade


 

Nota da crítica:

3/5


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