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Crítica - Gasoline Rainbow (2023)

Foto do escritor: Raissa FerreiraRaissa Ferreira

Em uma jornada que apela para o fluxo constante do que vem a seguir, os irmãos Ross focam no grande cenário de uma juventude vivendo pela última vez

Gasoline Rainbow

Ser jovem é ao mesmo tempo tão igual e absolutamente diferente a cada geração, todos que passaram por essa fase da vida reconhecem o caos, a confusão e a falta de direcionamento, mas cada tempo possui suas próprias características, modos de existir, se comportar e até falar. A dupla de diretores, e roteiristas, compreende bem essas nuances e casa a complexidade dessa leitura que pode vir de diferentes idades, Gasoline Rainbow não é tão diferente de muitos filmes independentes estadunidenses, mas a dinâmica de seu ritmo e a forma como seus personagens se comunicam exala a adolescência de hoje, um recorte do nosso tempo, que conversa com as gerações que passaram. As músicas dos Beatles não estão na ponta da língua, mas os Misfits estão marcados na estética e nas mentes, até Enya encontra seu lugar e O Senhor dos Anéis, ao mesmo tempo em que músicas possivelmente mais atuais compõe a trilha e passam irreconhecíveis por essa espectadora de mais de 30 anos. Mas a impermanência do grupo de jovens em sua road trip é um idioma universal e, captando isso perfeitamente, o longa se importa mais com o fluxo constante do que vem a seguir, a movimentação, o próximo encontro, qual surpresa ou aventura virá, do que um drama particular e profundo. As cenas respiram os espaços ao redor, a fotografia flerta com o céu, com as cidades e os ambientes, tudo é lindo porque tudo que importa é o momento presente e cada um deles é valorizado pelos jovens, e pelas câmeras. Misturando uma abordagem documental, o olhar fica nesse realismo inconstante que parece se alinhar completamente à experiência coletiva do grupo protagonista, não prevalece a visão de um ou de outro, mas esse grande recorte de uma fase da vida a ser explorada, rejeitando qualquer necessidade de se fixar antes da hora.


Por esse fluxo descomprometido ser o maior forte da linguagem de Gasoline Rainbow, quando o filme para e escuta o que cada personagem tem a dizer, se concentrando ainda que de forma mais livre e nada aprofundada em seus dramas particulares, é quase como se traísse seu propósito para dizer algo importante que, na verdade, já está evidenciado nas imagens. Não é preciso ouvir palavra por palavra de nenhum desses adolescentes que eles não se sentem pertencentes ao mundo, que não sabem o que vão fazer a seguir, que estão perdidos e o futuro é uma grande página em branco, essa é a essência de toda a observação que os Ross fazem, a movimentação de seu núcleo, que encontra a cada ponto um novo desconhecido que os guia em diferentes aventuras, e que abraça sempre o próximo passo, já exala tudo que é colocado no texto. Portanto, abrir a janela para o grande cenário, permitir que seus protagonistas sejam apequenados pela grandeza do mundo e das paisagens, e levados pelo acaso, traduz perfeitamente a emoção de se sentir tão vivo e ao mesmo tempo inseguro pelo que vem pela frente, a vida adulta. Todos nós estivemos lá ou ainda vamos estar e Gasoline Rainbow transforma esse medo de crescer, da próxima fase, em combustível para se jogar em uma roleta russa de acontecimentos, preservada pela harmonia do grupo. Essa união nada destrutiva possivelmente é o ingrediente mais contemporâneo a se somar na narrativa, já que o acolhimento e o uso mais consciente das drogas não é tão comum a esse tipo de filme.


Quando as rodas da van, o único meio de transporte deles, são roubadas, até existe o momento de preocupação em que todos parecem parar para compreender o acontecimento, mas na realidade, o longa está constantemente se movendo, é dinâmico (pela montagem ou movimentos de câmera) como a lógica das novas gerações e rapidamente, todos decidem seguir em frente e abandonam o veículo porque não serve mais ao propósito coletivo. Não há receios grandes na jornada, pegar carona em um trem, se acomodar com desconhecidos, confiar em cada estranho que aparece, tudo muito pautado nessa linguagem documental que valoriza um entrosamento cultural entre diferentes pessoas, o que é assustador mesmo para esse grupo é ficar parado e, talvez, ser adulto esteja muito atrelado a essa ideia estagnada. Daí a última aventura: porque pensar tão cedo na vida, logo após a conclusão do ensino médio, que essa é a única oportunidade de viver algo pela derradeira vez senão pela noção de que a próxima fase da vida é se prender, fincar raízes e nunca mais poder se deixar levar pela movimentação caótica do acaso? 


Esse deslocamento da juventude americana em crise não é novo, tem seu potencial dramático explorado em American Honey, por exemplo, e a aventura do road movie estampada em tantas obras queridinhas do cinema estadunidense, mas Gasoline Rainbow é, como toda obra, retrato de seu tempo, que capta bem a essência da dinâmica atual, não tão distante de ser jovem em qualquer tempo e ao mesmo tempo, absolutamente diferente.


Filme assistido a convite da Mubi, Gasoline Rainbow está disponível com exclusividade na plataforma.


 

Nota da crítica:

3,5/5


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