top of page

Crítica - Tudo ou Nada (2023)

A espiral desesperadora criada por Delphine Deloget empurra sua protagonista aos extremos, criticando o funcionamento do sistema Francês


Tudo ou Nada Filme

Em planos muito fechados, a imagem de Virginie Efira se assemelha a uma jovem com uma vida caótica, cercada de festas, bebidas e amigos. Há um paralelo entre a mãe solo que trabalha na noite, vive com a casa bagunçada e leva a rotina com os filhos como dá e a mulher que perde o caçula, mudando radicalmente sua vida. Dos cabelos soltos, a maquiagem e os espaços ao redor, quase sempre removidos pela aproximação da câmera que cria uma atmosfera do caos, em que os ambientes são apertados e abarrotados, com música alta, muito falatório e álcool, Sylvie não é a mãe modelo que a sociedade espera, trabalhada quase num clichê do que seria uma vida fora de controle para esses padrões, mas muito sustentada pela força de Efira, que mantém sua personagem sempre centrada e firme. A transição que se dá quando o serviço social tira Sofiane de casa é vista tanto nos espaços, que se organizam mais ao redor de todos, quanto na protagonista, mostrada mais vezes com os cabelos presos e um visual mais sóbrio, ou tido como responsável em concepções generalistas. Mas, não importa o quanto Sylvie mude ou acerte sua vida ao que é esperado, o cerco se fecha cada vez mais e a narrativa aperta mãe, filhos e espectadores em um caminho de puro desespero. É a intenção de Deloget que o sentimento de que não há outra alternativa seja palpável dentro e fora da tela, para isso, a desconfiança no sistema é cravada nas críticas por meio do grupo de apoio e dos trabalhadores, com sentenças cada vez mais drásticas caindo na família, desestruturando o psicológico de todos os envolvidos. 


Quase dando uma breve chance do outro lado se justificar, o roteiro inclui algumas desculpas por parte do serviço social Francês. De um lado está uma mãe que o sistema desconhece em sua profundidade e não tem como prever suas atitudes, tomando medidas excessivas na tentativa de evitar abusos maiores com as crianças, do outro lado, largamente, fica a vilania desse órgão que destrói uma família e não dá chances à mulher que tenta de todas as formas reaver seu filho, causando sofrimento na criança e em todos os familiares e amigos. O grupo de apoio dá a letra, mães brigam com o governo há anos sem resposta, o desespero é crescente na narrativa, totalmente absorvido por Efira e refletido nos planos que se fecham no rosto da protagonista sendo lentamente levada a um abismo emocional. A caracterização e intenção quase clichê da mãe lá do começo tem uma transição bastante óbvia para colocar a vida em ordem, um emprego em um escritório mais tradicional, uma casa limpa e arrumada, um estilo mais aceitável, mas Sylvie não deixa de ser quem era, é sua personalidade que carrega o enfrentamento constante com o sistema, que bate de frente, às vezes literalmente batendo, para conseguir Sofiane de volta. E é toda essa construção angustiante do longa que carrega o espectador em um único caminho possível, de torcer para que essa mulher aja, faça o que for, mas vença essa batalha.


Em uma derrota após a outra, o antagonismo da assistente social é fundamental para construir a empatia necessária com Sylvie, apoiando e justificando suas atitudes. O filme concentra nessa trabalhadora uma personalidade passivo-agressiva pouco óbvia, ela age aparentando apenas realizar seu trabalho cuidadosamente, enquanto sua forma de falar e seus feitos indicam quase um prazer em separar a família. Na estética de ambas ocorre um paralelo visual, elas se parecem, ambas loiras, vistas em muitas cenas com cabelos presos e roupas nos mesmos tons, fortalecendo uma rivalidade que, embora seja em uma perspectiva geral de mães contra um sistema gigante, se dá em Tudo ou Nada entre duas mulheres, fechando cada vez mais essa briga apenas entre ambas. O resultado é um alívio instantâneo quando Sylvie dá uma cabeçada na assistente social logo após ela dizer mais um absurdo que decidiu sobre o futuro do menino. 


Dessa forma, os caminhos legais são expostos em suas falhas, o coletivo que funciona é apenas o das pessoas se movimentando por si mesmas - escancarado em como colegas de trabalho ajudam Sylvie mais do que qualquer figura de autoridade da trama, por exemplo - e nenhum apoio jurídico ou governamental parece ser para o bem das pessoas, é um grande movimento de Delphine Deloget dizendo que as mães solo na França estão largadas à própria sorte, chefes, juízes e outros são sempre figuras de embate, mesmo quando são outras mulheres, o país é praticamente um inimigo e é preciso buscar apoio de uma rede próxima, e saídas alternativas. A sensação é de que Sofiane foi sequestrado e seu retorno não é apenas uma necessidade, como uma obrigação moral, culminando em uma única escapada possível, soando como um grande respiro após tanto tempo de filme em que o desespero toma conta. Logo, o sufoco que Sylvie é obrigada a passar só pode ter fim por ela mesma, na contramão das injustiças legais.


Filme assistido a convite da Imovision e OAB

Tudo ou Nada chega aos cinemas brasileiros em 28 de Março de 2024


 

Nota da crítica:

3/5


autor

Comments


bottom of page