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Crimes do Futuro — O orgânico e o artificial na arte

Foto do escritor: Raissa FerreiraRaissa Ferreira

Crimes do Futuro

No futuro criado por Cronenberg o humano evoluiu, a arte mudou, o sexo não é mais o mesmo e as relações humanas se transformaram tanto quanto o mundo que cerca aquelas pessoas. Nesse universo quase artificial, onde as dores não são mais sentidas da mesma forma e os corpos estão em mutação, todos buscam sentir algo.


O diretor parece criar um passeio de seu próprio trabalho, com elementos que lembram outras de suas obras e uma crítica sobre o que é a arte — aquele velho debate que sempre volta. Enquanto vivemos uma realidade onde o consumo artístico se torna cada vez mais raso e artificial, com filmes de super-heróis sem sangue, sem sexo e sem autoria que tomam conta da grande maioria das salas de cinema, moldando um comportamento de consumo de toda uma geração, Cronenberg parece tentar dizer que a arte real é orgânica, faz parte do nosso corpo e provoca sentimentos, sejam eles bons ou ruins.

Mas em Crimes do Futuro o diretor está mais contido e nem o body horror, nem o impacto clássico de suas obras tem a mesma presença, nem a mesma força. Apesar dos corpos abertos, órgãos e cirurgias, já vimos cenas muito mais impactantes em filmes anteriores de Cronenberg, quase como se o cinema dele estivesse tentando se adequar a uma nova realidade, com consumidores mais sensíveis, que se chocam cada vez mais com menos.


Tudo é muito orgânico no longa, que faz questão de não ser limpo. Nesse novo mundo as pessoas mal lavam as mãos, o barulho de moscas pode ser percebido ao longo de todo o filme e tudo é escuro. A atmosfera carrega uma sensualidade, como se todos os personagens estivessem desejando algo, ou alguém, a todo momento. Mesmo assim, só há um beijo, da forma como conhecemos ao menos, já que o sexo antigo foi deixado para trás.

Seus personagens buscam ativamente sentir algo, seja rasgando suas peles ou nela mesma, a arte. Timlin (Kristen Stewart) é uma jovem mais puritana, contida, que fica deslumbrada com o artista Saul Tenser (Viggo Mortensen) e isso desperta nela um lado mais sexual e sensorial. Pela arte ela sente o desejo. Em certo momento, Caprice (Léa Seydoux) assiste a uma performance e também sente em si um desejo de viver aquela mesma sensação que a arte mostrou.

É a arte que sempre provoca, desperta e move as pessoas. Essa ideia central por si só seria interessante mas é cercada por diversos elementos que não se desenvolvem completamente e, por isso, parecem um tanto perdidos. As duas mulheres técnicas dos equipamentos tem um arco que não agrega muito, ou talvez não tenha ficado claro qual seu ponto. Assim como o grupo de pessoas que se alimentam dos plásticos artificiais acaba ficando meio solto em meio a tudo que o filme quer mostrar e dizer, que é muita coisa. Não que tudo precise fazer sentido em uma obra, mas esses elementos causam um estranhamento por serem pouco desenvolvidos e não provocam reflexões, ficam quase como um barulho de fundo para uma ideia central interessante.


Com tudo isso, Crimes do Futuro consegue envolver em sua trama mas também deixa o espectador um tanto perdido por acabar bruscamente, como se Cronenberg já tivesse provado seu ponto mas ainda ficassem mais dúvidas que certezas. Então, o filme parece uma introdução a algo que ainda precisa ser desenrolado.

Se a ideia do diretor era oferecer esse alimento orgânico, difícil de digerir, talvez tenha acertado. Para alguns pode ficar marcado e render boas reflexões, para outros será facilmente esquecido por não ser tão marcante. Como tudo que é arte, divide opiniões, mas o mais importante é fazer sentir alguma coisa.




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