Crítica - Dreams (Sex Love) (2025)
- Raissa Ferreira
- há 11 minutos
- 3 min de leitura
Com atmosfera aconchegante, Dag Johan Haugerud fecha sua trilogia refletindo sobre a paixão como formação pessoal e artística
Lidar com o rompimento da expectativa do primeiro amor, durante a juventude, é uma experiência formativa para a maioria das pessoas. No caso de Johanne (Ella Øverbye), a paixão secreta pela professora é narrada como uma história no pé do ouvido da pessoa espectadora, embalada por uma atmosfera aconchegante, que acolhe a obsessão comum do sentimento, as noites sem dormir e a frustração de não ser correspondida, tudo com o mesmo tom. Não é o desespero comum que sente-se aos 17 anos, mas a nostalgia da vida adulta, de olhar para essa experiência por outra perspectiva, quase saboreando seus momentos. Johanne tem consciência de que tudo aquilo se perderá, transformado-se em memória, dissolvido em uma mente que viverá tantas outras histórias de amor e de frustração, uma característica implantada pelo autor que a desenha, dá contorno e vida. Dag Johan Haugerud fecha sua trilogia, então, pensando o despertar sexual e amoroso em paralelo à função criativa, de construir personagens e os apresentar ao mundo por um olhar muito específico, em um universo em que só existem daquela forma.
Sex e Love, capítulos anteriores do diretor, trazem reflexões na vida adulta, em que muitas vezes as vivências são repensadas ou olhadas por outro espectro. Já em Dreams, a paixão chega a uma adolescente que é praticamente uma página em branco. Ela passa a conhecer esse sentimento e guia quem assiste ao longa por ele, com uma narração em off hipnotizante. Estar em frente a uma tela em que Dreams é exibido é semelhante a sentar-se em um dia frio perto de um aquecedor, com um cobertor, meias e roupas confortáveis, um chá nas mãos, ouvindo uma história que esquenta a alma. Ainda que toque em pontos tão universais, como o primeiro amor, toda sua dor é transformada em um carinho com a protagonista, que fascinantemente lida de forma muito madura com o que está vivendo.
Johanne cria a partir da decepção amorosa, da obsessão platônica por uma mulher mais velha, e da felicidade que pode capturar em alguns instantes. Transforma em texto tudo isso, assim, Haugerud valoriza muito o que é dito em seu filme, como nos outros da trilogia, porém com outra atmosfera. A voz de Johanne torna-se tão fundamental e agradável, que quando as interações entre personagens voltam a serem mais importantes, Dreams quase perde sua maior força. É por pouco, mas a relação entre o filme, seu autor e sua protagonista é tão mágica, e Ella Øverbye sustenta tão bem tudo que vem em sua direção, que a sensação aconchegante permanece.
É como se, de fato, o diretor criasse Johanne a partir de algo muito particular, refletindo como personagens e universos construídos por artistas existem a partir de uma perspectiva única. Em dado momento, Johanna (Selome Emnetu) diz ter sentido uma parcialidade muito grande por como a aluna escreveu suas ações em seu relato/livro, como que buscando a si mesma em algo que é uma projeção apaixonada de outro ser. O texto de Johanne ser tão particular fortalece essa ideia, já que é uma obra feita para não ser lida, mas para materializar acontecimentos e lidar com eles. A pessoa apaixonada é a mais sonhadora, que espera coisas demais, milagres até, e artistas muitas vezes criam suas histórias e obras com a mesma energia.
Portanto, não existe nem Johanne nem Johanna sem a perspectiva de Haugerud, assim como para alguém em estado de paixão, a pessoa amada existe por uma visão muito específica e pouco confiável. O narrador só tem seu lado, sua perspectiva, mas quando há amor no meio, é como misturar delírios na jogada. A mãe e a avó servem como as espectadoras, no caso leitoras, que absorvem a experiência retratada de acordo com suas próprias bagagens, interpretações e sentimentos, criando até mesmo outras narrativas a partir do que Johanne conta ou racionalizando demais seu texto.
Mas Dreams é feito para ser sentido, por isso toda sua mise en scène é pensada para envolver quem assiste. Assim, a luz branca e clara da atmosfera mais estéril dos filmes anteriores, Sex e Love, só aparece quando a projeção da paixão é rompida, de forma a marcar o amadurecimento de Johanne e o fim de uma jornada que olha para a experiência passada com carinho. O resto é a vida seguindo seu curso.
Nota da crítica:
4/5
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