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Crítica - Levante (2023) | 31º Festival MixBrasil

Com a energia da juventude que reivindica seu lugar, Lillah Halla observa e exalta a diversidade criando redes de apoio que sobrevivem aos controles hipócritas da sociedade



Na noite da primeira exibição para o público em São Paulo, Lillah Halla, equipe e elenco apresentavam o filme no CineSesc. Uma energia incrível tomava conta da sala, inúmeras pessoas se colocavam lado a lado e logo que as imagens começam a brotar na tela é possível entender que toda aquela alegria transmitida não é só uma empolgação de estreia, mas a atmosfera real que essas pessoas criaram na obra, sentida no produto final, no entrosamento entre elas e fora das telas também. O título Levante não poderia ser mais preciso, já que é o que acontece a todo momento, as amigas de time que se levantam, um filme que traz questões urgentes mas nunca deixa esse furor se perder e uma trilha sonora que mantém o espectador investido. A diretora que tem seu longa de estreia após seu ótimo curta Menarca rodar tantos festivais, traz novamente as questões femininas, de corpo e sociedade, mas agora muito atreladas à geração do momento, que reivindica suas pautas, se une nas identificações, tem urgência em ser reconhecida, ouvida e que quer combater as barreiras que limitam seus espaços. A maior força de Levante está justamente nesse retrato que Lillah cria, que não esvazia esses jovens nem usa pautas como muletas superficiais de sua narrativa, mas constrói pilares fortes na rede de amigas e familiares que nunca deixam Sofia (Ayomi Domenica) sozinha em sua jornada, ao mesmo tempo em que a compreende individualmente nesse cenário que é uma representação de algo muito maior e real, de um país que condena, abandona e maltrata mulheres que não querem seguir com uma gravidez. Por meio de Sofia, o longa usa esse recorte muito importante, de mulheres negras e pobres, que são as que mais sofrem com essa imposição, para discutir a hipocrisia da sociedade, mas nunca usa a dor da personagem para um tortura desnecessária, a revolta é instigada sempre, mas é pelo otimismo que Lillah vai vislumbrar uma luz no fim do túnel. 


A câmera constantemente procura nessas meninas os detalhes, exaltando a diversidade de seus corpos e jeitos de ser, dando um espaço em que elas podem ser livres. Trabalhando muitas personagens além de Sofia, a diretora consegue equilibrar suas participações dando importância a cada peça dessa rede de apoio, não se aprofundando dramaticamente nas vidas das jogadoras de vôlei, mas as colocando sempre como condutoras dessa energia que flui entre as cenas. Seus corpos não são exibidos como objetos de desejo, mas como elementos de poder, a câmera busca a força, os músculos, a pele, os detalhes que as fazem serem quem são, um corte de cabelo, uma habilidade, a aplicação hormonal, a movimentação na dança e os toques de carinho. Lillah olha essas jovens com admiração, entende nelas uma perspectiva de conquistas maiores e se importa com a escalação de seu elenco não apenas para retratar uma diversidade, mas realmente a absorver de forma honesta. O entrosamento que se sente até fora das telas mostra que esse não é um filme que quer jogar pautas importantes aleatoriamente, mas que essas pertencem àquelas pessoas que as estão apresentando e debatendo. Existe um trabalho quase educativo aqui que segue uma preocupação legítima, não à toa equipe e elenco se uniram após a exibição do filme para levar ao público dados, informações e estatísticas sobre o aborto no Brasil. Parece surreal que estamos até hoje, em 2023, pedindo o mínimo, e é essa indignação que é muito bem traduzida em Levante, a cada frustração, barreira ou violência que Sofia encontra no processo.    


A escolha do filme de não nomear ou realmente se aprofundar na questão religiosa é acertada, a posicionando de fundo como algo que assombra mas que não é o único problema. A obra compreende a implicação das igrejas no retrocesso legal e julgamento moral, mas não tem a religião como a grande vilã da história, e sim o controle do estado e a hipocrisia conservadora, seja ela ligada a qualquer fé. Ao colocar Sofia num linchamento, com personagens cartunescos que representam esses elementos de conservadorismo e crenças, Lillah apresenta o cenário mais comum no debate sobre a descriminalização do aborto, não existe ninguém ali que realmente se importa com a vida de alguém, feto ou gestante, só existe uma sede de controle dos corpos. Todos os debates do longa culminam nessa mesma questão, o controle, seja do estado, das religiões ou só de pessoas que nos cercam todos os dias, o conservadorismo busca a manutenção desse manejo da população que se foca em interesses muito maiores. A mulher e o homem que mandam no time, a senhora insuportável que quer punir Sofia e a vizinhança intrometida só são fantoches que servem a um controle maior.


O otimismo que Lillah transmite em grande parte do tempo, com a trilha sonora que traz essa empolgação jovem, um trabalho de som que nos aproxima das vozes e dos diálogos e a câmera que busca sempre a energia desses corpos, não deixa nem nos piores momentos a dor torturar sua protagonista, não há exaltação do sofrimento, pelo contrário, o destaque é a união que quer ultrapassar essa aflição. Assim, o frescor jovem que acredita que pode resolver tudo também se faz muito útil aqui, e Levante sempre dá alguma pista para o espectador de que não importa como, Sofia vai dar um jeito de resolver sua situação, com apoio de sua rede. Contra aqueles que querem controlar, vem a energia e a revolta de uma geração que não quer deixar barato. Contra os que não enxergam a humanidade na pessoa que gesta, Lillah escancara e joga na cara deles a hipocrisia que carregam. Mesmo com apoio do pai, das amigas, da técnica - uma participação da sempre brilhante Grace Passô - e de outras pessoas, ainda existe dor, mas Levante compreende que a única saída para finalmente vencermos um retrocesso tão grande é nos juntarmos para bater de frente e quem sabe um dia, termos total controle de nossos corpos.


Filme assistido na programação do 31º Festival MixBrasil


 

Nota da crítica:

4/5





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