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Locarno 2024 | Jenseits von Schuld (His Parents)

Do outro lado do true crime, Katharina Köster e Katrin Nemec investigam as consequências que ficam para uma família quando descobre-se um monstro entre eles

Jenseits von Schuld (His Parents)

Documentários sobre serial killers existem aos montes, de filmes a séries em streaming, podcasts e livros, o mundo do true crime já investigou todo tipo de mente e crime em diversos cantos do mundo. Reconstruir os passos de um assassino parece um fetiche para muitos realizadores e espectadores, e, sem fugir completamente desse aspecto, mas indo para um lado um tanto distante, Katharina Köster e Katrin Nemec focam seu trabalho nos pais de alguém que se revelou um monstro, muito mais do que em suas ações. As fotos de criança e adolescente montam uma relação quebrada. Para o casal, o filho como conheciam ainda existe de alguma forma, mas a imagem de doçura fica apenas nas recordações. Agora o contato é puramente por telefone, em ligações que parecem constantes pela forma como o documentário as evidencia, com um toque muito específico do telefone fixo, sempre seguido da mãe dizendo o nome de Niels. As visitas ocorrem eventualmente na prisão, com um longo sistema de segurança em que as câmeras da dupla de cineastas alemães seguem cada ponto, construindo uma expectativa para o encontro que é rompida no momento em que o filho deveria aparecer. O homem que fez o sobrenome da família ficar famoso, e manchado, na mídia, não é o centro deste filme propriamente, são as consequências de sua existência e de seus atos que motivam a narrativa, portanto His Parents não mostra seu rosto, sua voz, nem se dedica a compreender seus assassinatos. É apenas a partir do que o casal diz, de como se relacionam com tudo que está ao redor deles, que recebemos pistas e vamos construindo alguns fragmentos dos ocorridos, embora baste uma breve busca pelo nome que eles tanto pensaram em mudar para descobrir mais detalhes.


É interessante, de alguma forma, saber pelo menos por cima o que Niels fez, algo que é dado pelo documentário a partir de algumas conversas, nunca parando o filme para explicar ou sendo didático, mas deixando que naturalmente se costure pelo que os pais acham importante conversar ou contar nos seus dias. Durante as filmagens, o casal assiste a uma série do formato mais exploratório e tradicional do true crime, sobre seu filho, e o primeiro ponto levantado é talvez o mais comum quando encontramos criminosos desse tipo, como teria sido sua infância, como foram suas relações com a mãe e o pai e sua criação. A resposta mais esperada quando lidamos com assassinos violentos é que foram abusados, sofreram violências, apanharam ou foram negligenciados. Mas o retrato que vemos desses dois senhores é muito diferente, mais próximo na verdade de uma família bem tranquila e tradicional. No entanto, Niels também não é um serial killer comum, no sentido violento das coisas, suas ações foram menos sangrentas e mais complexas. Talvez essas diferenças nas ações não sejam grande coisa, mas parecem de alguma forma diferenciar como esse homem de criação regular, com pai e mãe até hoje dedicados a ele, é suspeito de quase 300 mortes. Mesmo que em dado momento a mãe diga que suas visitas quase sempre são sobre estar com Niels e conversar sobre outras coisas, em todas as ligações que testemunhamos ao longo do filme são desdobramentos do caso que protagonizam os papos. Veja que é impossível pensar o que acontece com os Högel sem de alguma forma discutir os atos do filho, esse é o fantasma que os assombra constantemente e que o filme entende e trabalha com respeito. 


O surgimento de uma série, que os pais se forçam a assistir, novos julgamentos de pessoas que poderiam ser envolvidas na responsabilidade dos crimes e a própria existência do documentário, movimentam a vida da família enquanto as filmagens duram. Existe uma exploração da dor da mãe, principalmente, que parece se colocar em situações muito fortes desnecessariamente, como assistir a uma obra audiovisual que retrata seu filho como um monstro, mas também uma atenção com seus limites. A partir do momento que ela quer se afastar, é respeitada. Katharina Köster e Katrin Nemec são observadores silenciosos acompanhando o homem e a mulher para entender como os atos de um filho geram consequências drásticas à família. Misturando uma câmera que os segue com algumas falas diretas, constroem um retrato de tudo que se perdeu, o contato com a neta, o julgamento da sociedade, a rotina comum fora de casa e toda uma vida que eles gostariam de retornar, mas que é impossível.


Acredito que a questão de amar um filho acima de tudo nem teria como ser desenvolvida em His Parents, é algo tão maior e mais complicado que talvez nem mesmo os Högel poderiam começar a tentar responder, assim como a visão que eles possuem de Niels não é tão simples também. O que vemos a partir desse filme é que apesar de tudo, a vida segue, as atitudes de um familiar que se revela um monstro perante o mundo afeta permanentemente a vida daqueles ao seu redor, mas inevitavelmente, há de se seguir. Observamos o casal caminhar um dia de cada vez, com a mãe correndo ao telefone para conversar com o filho, o pai trabalhando e ambos tentando ter algum respiro em meio a isso tudo, mesmo que tanto tempo de prisão já tenha se passado e as consequências continuem a chegar constantemente. O ponto de vista que o documentário escolhe, e como se afasta da figura problemática ainda assim considerando sua existência, permite uma aproximação e compreensão dessas pessoas que são obrigadas a viver com um eterno lembrete do passado, tentam se livrar da culpa e escolhem seguir como podem seus laços familiares.


 

Nota da crítica:

3/5


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