Patricia Velásquez observa o amadurecimento comum ao coming of age por meio do rompimento abrupto com o laço materno
A juventude retratada em La Piel Del Agua não é novidade nos filmes coming of age, uma geração que se expressa pelas roupas, cabelos e músicas, se escondendo dos pais para poder viver tudo que não é permitido em suas idades, em conflito nas relações de autoridade e tentando se conhecer nessa fase tão crucial da vida ao passar por alguma mudança e/ou encontro. Camila e sua melhor amiga precisam mentir para as mães para poderem sair como realmente querem, o que envolve o destino final e também as roupas e maquiagens que vão usar, não fica claro se a mãe da protagonista realmente seria contrária a tudo aquilo ou se apenas é um impulso adolescente de esconder uma parte de si do adulto que dita as regras. Essa rebeldia ou necessidade para poder viver sua juventude é o ponto de partida principal para que o filme desenvolva suas ideias, isso porque Patricia Velásquez propõe o amadurecimento não apenas a partir de novas experiências, mas também um desenvolvimento que se dá enquanto a mãe está inconsciente, incapaz de ver e saber o que Camila faz. A ausência da mãe enquanto figura de autoridade leva a garota a não precisar mais mentir, apenas viver seus momentos como bem entende já que o conflito com o pai é tão barrado na comunicação que ela não vê nenhuma obrigação com ele. Enquanto seus colegas vivem a vida normalmente, a protagonista praticamente avança alguns anos no seu amadurecimento, se relacionando com um homem muito mais velho e forçando uma independência no embate com o pai ausente, tudo que não aconteceria se a mãe estivesse consciente, no comando de sua vida.
Velásquez faz questão de colocar memórias muito doces da mulher que pouco conhecemos além de uma única cena se mostrando aberta a levar Camila ao cinema, uma mentira que provoca consequências drásticas. A jovem lembra com carinho da mãe enquanto espera seu retorno à consciência e ao lar, nas fotos nas paredes e nas recordações, nada indica que essa relação fosse problemática, mas é o rompimento violento que se dá no laço materno a causa da vida anárquica de Camila. Sem explorar qualquer culpa que a menina poderia sentir pelo acidente da mãe, nem mostrar alguma preocupação dela com como o pai lidará com seus comportamentos, La Piel Del Agua quase a emancipa, ela mesma dita suas regras, horários e destinos e assim, é obrigada a lidar com as consequências sozinha. Diego vai se mostrando cada vez mais problemático e violento e Camila vai ficando cada vez mais sozinha na encenação, reforçando visualmente o controle e agência que toma para si e como isso pode ser solitário nessa fase. O que poderia ser um romance bem adolescente, afinal, se apaixonar pelo carinha da banda que você gosta é um clássico, vai mostrando desdobramentos mais sérios que deixam a menina isolada, precisando contornar as ações do homem com suas próprias ferramentas. Não é intenção de Velásquez ser trágica nesse processo, e ainda que as situações abram margem para diversos caminhos terríveis que poderiam ser vividos, Camila sempre retorna segura e encontra certa maturidade, mesmo que se arrisque e tenha um juízo típico de sua idade, não há moral superior que a castigue para provar um ponto.
Enquanto a mãe dorme no hospital, a filha cresce forçadamente, ou por escolha própria ao lutar contra a relação com o pai, cuja motivação para demonstrar afeto com a filha é comparada a um tratamento médico. Rejeitando uma nova autoridade, a garota se estabelece sozinha como essa figura em sua vida, porque tudo parece temporário, até que aquela mulher acorde e o equilíbrio se restabeleça. Tanto para o espectador quanto para Camila, a impressão dada é que há uma progressão linear na melhora da mãe e, ao passo em que ela voltar para casa, a jovem voltará a viver como uma adolescente comum, com regras normais e uma chefe no lar responsável por suas questões. O curto período em que ambas passam juntas com a mulher acordada, atesta essa sensação e dá a segurança para a protagonista seguir seu caminho como bem decide, mas os planos do destino são mais cruéis.
Essa janela de liberdade que Camila vive é crucial para seu amadurecimento como pessoa e mulher, mas provém diretamente dessa suspensão de autoridade que se crê ser temporária, o rompimento total do laço materno vem com outra seriedade e caminhos que não cabem mais dentro do longa de Velásquez, sua observação é quase um período de férias, e de todas as coisas que poderiam dar muito errado nas escolhas que vemos Camila tomar durante esse tempo, ainda existe alguma tragédia virando a esquina, pronta para mudar brutalmente sua vida.
Nota da crítica:
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