Aproveitando a tecnologia e seu senso de humor, Radu Jude dialoga com a obra e figura de Andy Warhol observando seu sono eterno
No cinema, Andy Warhol ficou conhecido, em partes, por seus longos filmes, como a câmera estática que filmou o Empire State por 8 horas ou o filme que inspira esse longa de Radu Jude, a filmagem de um homem dormindo por 5 horas. Ambos podem ser encontrados facilmente tanto nas versões completas, quanto em resumos acelerados no youtube que compactam as longas horas em curtos minutos, já que pouca coisa se altera, sendo o vídeo do prédio o mais monótono, enquanto Sleep ainda conta com algumas variações nos planos do corpo de John Giorno, mas segue basicamente a mesma lógica de assistir ao tempo passar. Com isso em mente, Sleep 2 tem algo muito comum ao cinema de Radu Jude, o pensar a tecnologia e seus avanços na sociedade - em formas de mídia e comunicação - e seu senso de humor afiado que permeia suas sátiras. É de se pensar que quem conhece Warhol puramente por suas Marilyns ou suas latas de Sopa Campbell possa ficar confuso com o que está assistindo ao se deparar com 60 minutos de uma câmera ao vivo que filma um cemitério, mas pensando nos vídeos do famoso artista, a compreensão das intenções dessa obra é muito rápida e as imagens selecionadas por Jude mostram uma construção de sentido muito maior do que o próprio Warhol fazia em suas longas horas filmadas.
A começar pela duração, é irônico que o diretor romeno escolha um tempo tão curto, para longas, ao realizar um diálogo direto com um filme cinco vezes maior que o seu. Jude se aproveita de uma tecnologia comum, câmeras que transmitem ao vivo e online, usada de forma bastante peculiar, uma quase exposição chamada Figment, que transmite 24 horas por dia a imagem do túmulo de Andy Warhol no site do museu dedicado ao artista. Se ele não tivesse falecido nos anos 80, diria que essa ideia provavelmente foi deixada em seu testamento, pois parece algo que ele realmente faria como extensão da sua arte. Sleep 2 é, portanto, um filme de desktop inteiramente pautado nessa ferramenta, em que Jude utiliza seu próprio mecanismo para se aproximar ou se afastar com o zoom e capta imagens do período de um ano, ou mais precisamente, 4 estações. Mas não estamos apenas olhando o tempo passar na frente desse túmulo, o filme é montado de maneira a unir imagens peculiares do que acontece nesse espaço e construir essa dimensão do tempo por meio da mudança entre primavera, verão, outono e inverno, destacadas por pequenos poemas inseridos em texto, como uma das lembranças visuais de que existe alguém por trás do que assistimos. Então, vemos pessoas que admiram esse artista que é tão marcante na cultura mundial tirando fotos de sua lápide, ou selfies com ela, latas de sopa campbell que variam entre duas, três e algumas vezes várias empilhadas na pedra, todo tipo de movimentação de dia e uma calmaria pela noite quando apenas animais aparecem no lugar. Os momentos vazios são raros, parece que há sempre alguém visitando o cemitério como um ponto turístico. Mas, se você acessar o site agora, talvez não veja algo tão peculiar quanto esse filme foi capaz de coletar, ficando claro o trabalho do diretor nessa curadoria de 365 dias.
São vários os momentos curiosos inseridos nessa montagem, em um deles, um homem abaixa as calças e mostra sua bunda para a câmera, é notável que muitos visitantes tem conhecimento da existência da transmissão ao vivo, mas esse pequeno fragmento se liga de forma bem engraçada ao Sleep de Warhol, que em dado momento também mostra as costas nuas do homem que observa dormir. Jude então une imagens irônicas de como o lugar de morte de um artista e seus pais se tornou um ponto de encontro e turismo, como pessoas tiram fotos sorrindo ou brincam ao lado de esqueletos, fazem até piqueniques, deixam homenagens, ajudam a limpar a sujeira e demonstram respeito. É um misto curioso de como a humanidade reage a essa pessoa e o legado que deixou, com um áudio muito distante, apenas o suficiente para que o filme não seja mudo. De início, confesso que Sleep 2 não era o trabalho que eu esperava de Radu Jude, mas pensando nesse humor e em como ele aproveita a ferramenta para construir sua obra, fica claro que é exatamente como ele faria um diálogo com alguém tão excêntrico como Warhol, mas mais do que isso, uma expansão da compreensão do impacto cultural dessa figura para os dias de hoje e as ironias dessa humanidade muito conectada.
Nota da crítica:
Comments