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Foto do escritorRaissa Ferreira

Maestro (2023) | Mostra SP

Bradley Cooper faz retrato desinteressante e desinteressado de Leonard Bernstein como um artista excêntrico de pouca paixão, observado pela esposa coadjuvante sofredora



A fórmula padrão da cinebiografia tende a ser uma receita de bolo menos arriscada para alguns diretores trabalharem histórias de vida quase por encomenda para o cinema, há chances de se errar muito mas também aquela de simplesmente criar um filme mediano que chega em diversas premiações e ganha o gosto popular só por fazer o óbvio. E, em algum ponto, quem assiste a Maestro até pode pensar que Bradley Cooper tentou fazer diferente e dar sua própria visão mais inspirada para a vida do compositor Leonard Bernstein. Ocorre que boa parte da introdução se passa nos ares de filme clássico, preto e branco, e cria uma espécie de palco onde a vida desse homem é um espetáculo, não uma biografia. Cooper, vai retratar a si mesmo com olhos muito grandes e brilhantes, com um deslumbramento pelo mundo e por sua própria história, enquanto tudo vai acontecendo na vida de Bernstein em atos quase musicais. Essas escolhas são, porém, temporárias, para uma passagem de tempo, até que o filme se torne totalmente tradicional em sua abordagem à fase de vida mais sólida do maestro, em que sua carreira já é bem estabelecida e seu nome conhecido. O que não acontece em nenhuma das partes, não importa a estética ou tempo retratado, é um verdadeiro interesse do filme em seu objeto. Nada se aproxima realmente dele, nem de o compreender nem de o admirar, apenas em cenas específicas que o vemos como maestro as imagens denotam alguma genialidade do artista, e em poucos segundos entendemos da onde vem aquela motivação, o olhar é de Felicia (Carey Mulligan), uma personagem fadada a entregar sua visão para o longa ao menos tentar engrandecer a figura de Leonard e ser rebaixada a uma coadjuvante lamentável em troca.


Em diversos momentos vemos jornalistas repetindo os mesmos dois ou três trabalhos de Bernstein em entrevistas, imediatamente recebendo olhos revirados de um artista que parece cansado de ser taxado sempre pela mesma coisa. Ocorre que Cooper reconhece isso mas faz a mesma coisa, marcando em seu filme sempre o mesmo Amor, Sublime Amor e nunca entrando mais no que existe além desse homem, o que o movia, quais eram suas paixões, os trabalhos que mais teve apreço, nada disso importa no filme. O que importa? Aparentemente a sexualidade de Leonard, seu papel meia boca de marido e seu jeito meio excêntrico. É sempre o olhar de Felicia que comanda o filme, que o admira, vê o que ele faz, o reconhece, e também o ressente, mas a relação do filme com seu próprio protagonista é muito distante, o deixando vagando como uma peça que nem é misteriosa, assim seria um afastamento que permite a mística de gênio ou algo do tipo, nem busca o intimismo, de compreender o humano além do trabalho, seus verdadeiros desejos e afins. Tudo parece uma caricatura em que Cooper perde mais tempo em caracterização e imitação de jeitos do que de criar um recorte, qualquer que fosse, para a vida desse homem.


Na maior parte do longa, a intenção é forçar que a relação entre Leonard e Felicia era especial. Ela, uma grande mulher que sempre o amou e admirou, ele, um artista livre que sempre a amou, mas precisava viver de sua maneira. Essa história é batida, todo mundo já conhece e já viu em outras cinebiografias, não seria problema só por ser algo tão repetitivo, mas é talvez o maior desperdício de Carey Mulligan que eu já vi em tela. Enquanto naquela introdução de espetáculo os dois personagens fluem na mesma energia do deslumbramento dos palcos, parece que há espaço para os dois existirem, quando Leonard vai se tornando mais sólido em sua carreira, o homem também se torna mais cético e pessimista com o mundo, sobrando para Felicia ser amargurada com sua posição de cantoneira de vida do homem. O longa reforça esse sentimento dela diversas vezes, principalmente em closes que captam suas expressões de ressentimento a cada gesto do marido, mas só propõe a ela mais apagamento. Usando apelativamente sua doença para redimir Leonard, Cooper novamente busca no rosto de Mulligan uma inspiração, martelando visualmente a bondade dessa mulher, como se o filme todo houvesse construído um amor e cumplicidade mágicos entre aqueles dois. Mas não foi o caso, o diretor é incapaz de construir qualquer emoção ou criar um elo decente entre os dois porque simplesmente não é capaz de nos dizer quem é Leonard Bernstein.


Sem o material humano, nem o de artista, sem uma paixão, uma motivação, sem realmente conseguir olhar para esse maestro, é impossível se importar com qualquer coisa em sua história. Fica uma obra protocolar, fria, que passa pelos anos mostrando que Leonard trabalhou, criou coisas, ficou famoso, casou, teve filhos, e teve muitos amantes, às vezes bem mais jovens que ele. Talvez Cooper tivesse se saído melhor criando algo que precisasse de menos alma, como um obituário, e teríamos conhecido melhor Bernstein.



 

Nota da crítica:

2/5




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