Confuso e antiquado, filme de Abderrahmane Sissako é infeliz com sua protagonista e se mascara em proposta delicada e sensual
Na Costa do Marfim, iluminada pelo sol, uma mulher aguarda o momento de seu casamento com inquietação e pouca sintonia com o noivo, enquanto observa outro casal, uma mulher jovem como ela, com um homem mais velho e claramente de outra origem, totalmente conectados. Após recusar o matrimônio no altar, Aya (Nina Mélo) aparece com outras vestes em um outro lugar, quase sempre vista pela noite na cidade. O salto que indica sua mudança drástica, agora na China, revela uma comunidade muito bem entrosada com sua presença, nas lojas e bancas de comida pessoas locais a tratam com simpatia e aparentemente ela rapidamente se adaptou ao novo idioma e aos costumes locais. A verdade é que todo mundo parece muito bonzinho em Black Tea: O Aroma do Amor, e a diversidade que Aya encontra nas ruas dificulta uma localização geográfica mais precisa de início, já que o próprio filme não faz questão de explorar os espaços ao redor, sempre os desfocando, e pouco se dedicando a compreender a relação de sua protagonista com o espaço. O foco é sempre em como ela se relaciona com os outros de forma mais superficial, sem pensar como esse mundo a enxerga e como ela os compreende de volta. É difícil entender o ponto que Abderrahmane Sissako quer chegar até que o relacionamento entre Aya e o chinês Cai (Chang Han) entre mais em foco, mas não é que as coisas façam mais sentido. Na realidade, a narrativa é bastante perdida e cenas soltas são jogadas com pequenas histórias que pouco fazem sentido no todo, até mesmo diálogos entre os personagens mais importantes parecem entrar do nada e acabar com alguma frase de efeito que soa totalmente desconexa. Não apenas o roteiro vergonhoso prejudica o resultado final, como a encenação entediante e antiquada que o diretor propõe torna tudo ainda mais enfraquecido.
A lentidão aplicada dando espaço e respiro a cada fala e trabalhando uma dinâmica de um diz e o outro responde, com textos muito esquisitos que buscam certo impacto clichê, parece uma forma de fazer cinema ultrapassada e amadora, que abre espaço para a comicidade nas interações. Obviamente isso não ocorre de forma proposital, Black Tea: O Aroma do Amor pensa estar sendo muito sério e por vezes muito sensual com essa forma de lidar com o melodrama, e é comum alguém sair de cena e sobrar um espaço que só deixa o espectador sem palavras. O que deveria ser a jornada de Aya após uma fuga de uma tradição para conhecer e viver novas culturas, vai aos poucos reduzindo a própria mulher até soar bem ofensivo com ela. O relacionamento com Cai é dado no porão da loja ou em jantares secretos e todas as interações físicas entre eles são muito lentas e pouco íntimas. O filme sugere que um toque no ombro já seria o ápice da sexualidade que veremos, tudo é muito casto e puro, mas o homem é certamente muito distante de qualquer ideal de caráter. A história do passado revela que essa não é a primeira amante negra que ele esconde, assim como sua personalidade muito bruta com a esposa que nunca o amou.
Ao que tudo indica, Cai e a mulher chinesa mantêm a família como fachada para os costumes dos outros familiares, nem ela nem o filho desaprovam o relacionamento com Aya e, mesmo assim, o longa segue a humilhando em espaços escondidos, chegando ao auge de a colocar em um quarto, chorando até dormir enquanto todos jantam juntos na sala. Cai também a relaciona ao chá preto em uma das falas mais vergonhosas que o roteiro produz, embora Sissako ainda force essa sensualidade lenta que une os amantes em um romantismo de luzes baixas e fundos desfocados. A impressão é que Aya fugiu de um casamento tradicional para ser reduzida a uma amante sem direito a nada e ainda fica feliz com isso. Vez ou outra, sem ligação nenhuma com a narrativa, vemos um homem muçulmando comprando calcinhas acompanhado de um tradutor para negociar com um chinês ou pessoas dançam e cantam no salão enquanto outra personagem vai embora sem dizer nada. Em alguns trechos retirados da imaginação ou sonhos de Cai, ele encontra a filha que nunca foi ver, a qual é extremamente compreensiva e amorosa com o pai ausente, e acontece até mesmo um fetiche lésbico, colocando a esposa e a amante se tocando suavemente. Esses pedaços remetem a um delírio em que vai-se lembrando de momentos picados e notando quão absurdos e sem sentido são.
Abderrahmane Sissako, ou qualquer outra pessoa que chegou até esse material e o aprovou, parece não ter tido a noção e sensibilidade de ver quão ofensivas algumas coisas soam. Black Tea: O Aroma do Amor se mascara nessa encenação que quer dizer que tudo é muito delicado e imaculado, os toques, as interações sempre em duplas, o passo mais lento, preservando a pureza que nunca ultrapassa a sugestão sensual, mas exalta um personagem extremamente problemático enquanto renega sua protagonista a um lugar humilhante.
Nota da crítica:
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