Um dos meus filmes favoritos e também um dos melhores de 2020, Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre, me toca profundamente por tudo que é e representa, deixando difícil a tarefa de me explicar em palavras.
Autumn tem uma voz linda, canta com sentimento profundo, mostra que tem muito talento. Mas não vamos conhecer os sonhos e desejos dessa jovem, aqui o recorte de tempo que acompanhamos é um lembrete, de todas as pequenas e grandes violências que todas as mulheres vivem, através da vivência de Autumn.
Logo percebemos que por trás do jeito introvertido de Autumn estão os abusos dos homens que a cercam. Os colegas de escola, seu pai e seu chefe se mostram como figuras que a ameaçam. Aliás, todos os homens nesse filme são potenciais ameaças, o que não fica muito distante da realidade de qualquer mulher.
A câmera é sempre muito próxima do rosto da jovem, mesclando closes que trazem os sentimentos com as imagens da cidade e dos grandes espaços ameaçadores. Em muitos momentos parece que algo de ruim está para acontecer, talvez seja um pouco do desconforto e do medo da protagonista que transborda até nós.
Autumn está sempre alerta e desconfiada em sua viagem, mesmo exausta não a vemos dormir em nenhum momento. Sua prima, que a apoia logo de cara, a acompanha todo o tempo, mas consegue descansar.A prima também sofre os abusos do mesmo chefe e em outro momento acaba precisando ceder a outro homem que quer se aproveitar dela. Mais um lembrete repulsivo dos abusos, do machismo, da força que é preciso ter desde muito nova quando se é mulher.
Mas o apoio feminino é o contraste com toda a ameaça masculina. Além da prima, a mulher na clínica de aborto também está lá para apoiar Autumn, segurando sua mão, falando com a voz tranquilizadora, sem julgamentos.É nessa hora que podemos entender melhor a dimensão dos abusos sofridos pela jovem. Em uma cena poderosa, estática no rosto da protagonista. Não saberemos quem é o abusador aqui, até porque isso não importa, o que importa nessa história é essa jornada.
Outro ponto forte é que a jovem nunca pede ajuda, acostumada a não ter acolhimento ela sempre tenta se virar e não espera apoio, sua prima a ajuda de própria vontade e mesmo quando oferecem um local para ficar ela recusa.
Autumn não teve escolha sobre o que fizeram com ela, mas escolheu o aborto, por mais difícil que tenha sido realizar esse direito. Mesmo assim, Autumn ainda terá que retornar para sua cidade e para sua casa, onde provavelmente não vive em segurança. Não vamos saber qual será seu futuro em sua casa ou no trabalho, porque, mais uma vez, o filme é um recorte no tempo e todas essas questões não serão respondidas.
Mas, depois de realizar sua escolha ela finalmente fecha os olhos e descansa no retorno para casa.
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