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O Deus do Cinema (2021) | A arte que salva aqueles que acreditam

Um filme doce sobre o refúgio que encontramos no cinema e os humanos falhos que contam histórias que amamos, O Deus do Cinema de Yôji Yamada dá vida eterna aos que vivem no mundo dos filmes



Impossível assistir a um filme tão apaixonado pelo próprio cinema em 2022 sem lembrar que perdemos Godard há tão pouco tempo mas que o cinema, apesar de tudo, continua vivo. Yôji Yamada faz aqui um longa que não olha apenas para o cinema japonês e de Ozu, mas também para muitos clássicos que marcaram a história. Se não há história que já não tenha sido contada, O Deus do Cinema abraça essa ideia e se constrói na base de suas referências.


Há um paralelo que questiona se apenas o amor é suficiente para manter uma relação, no caso entre o apaixonado pela sétima arte e excelente contador de histórias Goh e sua esposa Yoshiko, mas também se o amor pelo cinema é o bastante para criar filmes. Goh, que trabalhava com cinema na juventude, tem uma história incrível para contar - e que já conhecemos - mas logo vê que sua paixão e suas ideias inovadoras não são suficientes para dirigir um filme, que é preciso mais confiança e coragem para criar seu próprio olhar e entregar nas imagens tudo que escreveu. Gostar de cinema não é suficiente para criar um filme, assim como apenas um bom texto não sustenta uma boa obra. É nesse momento que o diretor quebra um pouquinho da ilusão, entrando em bastidores que revelam um cinema cheio de regras e convenções, como indústria e trabalho além de arte, para depois retornar nosso olhar para a mágica que acontece nas telas, nas imagens criadas pelas mentes brilhantes que souberam transformar roteiros em bons filmes.


Enquanto marido e pai, Goh é um homem cheio de falhas e vícios. Quando é finalmente reconhecido por seu trabalho, ele deixa claro que não foi uma boa pessoa, ainda que todos aplaudam seu trabalho. Apesar de questionarmos atualmente o caráter dos artistas que amamos, muitos dos que nos deixaram tem uma imagem eternizada da arte que criaram muito acima da dos humanos falhos que eram em casa. Nesse ponto o filme não parece querer fazer um julgamento sobre o caráter do homem, ainda que exista o peso e o sofrimento familiar pelas atitudes dele, o longa carrega uma leveza e uma doçura, focando muito mais no que o cinema representa e usando essas histórias de amor e família como pontes para seu verdadeiro objetivo.


Ao retratar a sala de cinema como um refúgio, Yamada dialoga diretamente com o espectador e cria uma atmosfera mágica para os amantes de filmes, seguindo a ideia praticamente espiritual de Goh sobre essa entidade em que todo cinéfilo acredita. O cinema que era sonho se torna lugar de descanso e fuga, a arte que era paixão se torna a salvação da família e os apaixonados, por sua vez, também acabam salvando o cinema. O velho, frustrado, encontra vida em reescrever seu antigo roteiro com a ajuda do neto. É o ciclo de vida da arte, que já morreu algumas vezes, mas sempre renasce quando novos olhares surgem, criam e continuam a contar sua história, quando somos tocados pelo cinema e resolvemos também criar algo para devolver o que ele nos proporcionou.


Se Goh almejava fazer filmes mágicos e ousados, O Deus do Cinema não ousa, mas com certeza tem a magia que só quem já foi salvo pelo cinema consegue identificar. Sempre teremos os filmes e neles estão todos os que nunca morreram, eternizados pela arte.


Nota da crítica:

3,5/5


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