A simplicidade do cotidiano de André Novais Oliveira vê em cada detalhe do tempo e dos silêncios o impacto que um encontro tem para mudar nossos dias
Nos últimos anos, o cinema mineiro tem sido um dos mais empolgantes no cenário brasileiro, com uma nova onda própria de fazer filmes que vai muito além de Marte Um e engloba do excelente Affonso Uchoa ao catálogo da Filmes de Plástico, existe uma abordagem que flerta com o documental, se vale de não atores e explora a realidade do país de forma crua e sincera, geralmente com um humor bastante honesto que só poderia vir de quem conhece tudo que retrata pelo lado de dentro. André Novais Oliveira talvez seja mais conhecido por Temporada, com a também incrível Grace Passô, filme que caminha por Contagem no naturalismo das coisas, do tempo, do trabalho, do existir nesse lugar. O Dia que Te Conheci é um tanto disso também, a realidade das coisas, principalmente do tempo, sem nunca perder o humor - mesmo quando elas são bastante deprimentes - que vem da identificação sincera com tudo que é retratado. O filme observa cada pequena coisa do cotidiano com alguma atenção porque muitas vezes, os dias podem ser todos parecidos, mas quando algo muda nossas vidas, um dia comum pode ser um amontoado de lembranças mágicas. Se o ônibus não quebrasse, Zeca (Renato Novaes) não comeria pastel no caminho, não chegaria atrasado e não teria sido demitido. No dia em que ele conheceu melhor Luisa (Passô), ele também conheceu a mãe de uma aluna, fez amizade com um estranho, conversou sobre O Pequeno Príncipe, e tantos outros pequenos acontecimentos que nada tem realmente de muito especial, mas que André nos mostra, não subtrai de sua narrativa, pouco faz cortes ou mudanças de plano para traduzir esse dia como uma memória recriada.
O que há de mais bonito em O Dia que Te Conheci mora nas trocas entre os personagens, que expõe uma vida a qual muitos conhecem bem. O trabalho que pouco inspira, longe demais de casa, as muitas conduções, trânsitos e conversas fiadas, os remédios, diagnósticos, a terapia maior que é encontrar alguém que te compreende numa sexta para tomar uma cerveja ao invés de um médico que você nem entende a letra. Zeca e Luisa se conectam não por um destino místico, nem por um acaso, muito menos por um aplicativo, é a identificação pura entre eles que faz um contato corriqueiro de trabalho ultrapassar a barreira de interação. André trabalha então num longo caminho, dentro de um carro, sem se valer de nenhum close, nem de mostrar os rostos de seus personagens, uma conexão pelas palavras, de pele e de vivência. Dois dos pouquíssimos negros trabalhando na escola, com diagnósticos e medicações parecidas, realidades quase protocolares que se assemelham, mas que no fundo são muito mais complexas. O diretor brinca com isso, o que separa o mágico de apenas um dia comum, não há encantamento nesse encontro na prática, os dois caminham em silêncio nas ruas vazias de Belo Horizonte, a luz é fria, a estética é crua, nada de romântico paira no ar, mas a trilha sonora indica que algo fantástico está acontecendo. Da mesma forma, mais cedo, enquanto Zeca corria para pegar o ônibus, era apenas uma atitude mecânica de sobrevivência para chegar ao emprego, mas a música indica uma aventura iminente. Quantos dias comuns vivemos, que na verdade tem pequenas doses de encantamento escondido?
O “hoje vai ser diferente” de Zeca é uma das frases mais bonitas e significativas que vi nos últimos tempos no cinema, a simplicidade que André trabalha aqui é cheia de magia escondida nos detalhes, mas a verdade é que o ontem já havia sido diferente e em cada tempo que se passa em tela, nos menores gestos e silêncios compartilhados, denota que ali acontece algo que muda tudo, mas que só será apreciado depois, talvez no dia seguinte, talvez mais pra frente. Encontrar alguém que sabe ler suas receitas é massa, assim como acordar e partilhar um café da manhã faz até os maiores machucados parecerem coisa pequena do cotidiano. Tudo muda de proporção quando um encontro muda nossos dias e, na memória, existe muita beleza na simplicidade de um dia especial.
Essa crítica faz parte da cobertura da 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo
Nota da crítica:
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