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Foto do escritorRaissa Ferreira

Sombras do Passado (2022) — O verdadeiro terror psicológico

Andrew Semans usa o abuso e o trauma sem jogos metafóricos para construir um horror verdadeiramente psicológico


Sombras do Passado Resurrection

A primeira impressão de Margaret (Rebecca Hall) é de uma mulher forte, obcecada por controle e que não tem medo de se impor. A postura e o poder da mulher só parecem não importar tanto quando o assunto é sua filha, que cria sozinha em um ambiente sem muita vida, que mais parece o apartamento de uma mulher solitária, aliás, todos os ambientes aqui são assim, com uma estética estéril. Nesse momento de transição para ambas, provocado pela saída do ninho de Abbie, um fantasma do passado de Margaret retorna para a assombrar. É notável que o filme cria muito bem a tensão, mesmo antes de entendermos qual é o ponto dessa história é constante a sensação de que algo ruim vai acontecer a qualquer momento. Mas é a partir do momento que a mulher vê novamente o homem que costumava conhecer que mergulhamos em uma crescente de angústia e loucura com ela, que tem como primeiro instinto checar a segurança da filha.

Semans não tenta usar muitos artifícios ou cobrir suas verdadeiras intenções de metáforas, mas assume claramente sobre o que está falando, usando horrores muito reais para construir quase uma tortura psicológica, no bom sentido. A figura do homem pode até parecer um pouco sobrenatural, talvez demoníaca, mas ao explicar o que realmente aconteceu entre eles, o longa escancara uma face muito real de abusos, manipulações e traumas. Tudo é bem próximo do que verdadeiramente é, o ciclo de abuso, a resposta traumática de Margaret, a forma como David (Tim Roth) usa os pontos fracos da mulher para a manipular e torturar, são elementos muito reais e que se intensificam ao longo do filme. Conforme é arrastada de volta para essa relação doente, Margaret começa a definhar, como se o homem se alimentasse de seu sofrimento. A casca forte que ela criou para se proteger começa a rachar e assim todos seus medos, paranóias e sofrimentos se mostram, a tornando mais humana para criar esse laço de empatia, para que de fora da tela o psicológico seja abalado e o desespero compartilhado.

Uma das maiores cicatrizes deixadas pelo trauma vivido por Margaret é a culpa. Um traço comum em vítimas de abuso é se culpar por ter sofrido o que sofreu, por ter permitido que aquela outra pessoa a machucasse, não ter impedido, e é exatamente isso que molda a personalidade dessa mulher, seu estilo de vida e forma de se relacionar. As formas que Margaret usa para controlar sua vida, trabalho e casa são mecanismos de defesa que também acabam sendo as primeiras coisas que ela perde completamente ao retornar para a origem do trauma. Tudo isso é muito bem retratado por uma atuação brilhante de Rebecca Hall, que sustenta essa loucura crescente e um monólogo longo fechado em seu rosto, adentrando a casca quebrada da personagem.

Acredito que quando falamos de abuso, é comum sentir que alguém que permitimos entrar em nossas vidas arrancou um pedaço nosso, e o caminho de lidar com esse trauma muitas vezes passa por tentar recuperar essa parte e impedir que aconteça novamente. Por isso, ainda que mude o tom que estava consistente em quase todo o filme, é necessário para Margaret pegar de volta a parte que era sua e foi tomada à força, arrancada violentamente, mesmo correndo o risco de se perder completamente. A loucura que cresce na mente da mulher também caminha de encontro com a escolha do diretor para o final, criando a fantasia que reúne todas as peças que devolveriam o controle para ela, mesmo que seja claramente uma ilusão.

O impacto de Resurrection se dá muito mais por tudo que acontece antes do desfecho, em uma angústia que caminha lado a lado com os abusos retratados. A empatia criada por Margaret e o teor das torturas provocadas por David vão sufocando, dando aos poucos um peso que leva a torcer para que ela se livre de uma vez por todas desse maníaco manipulador. Não tem nada mais assustador em um filme de terror do que algo que pode realmente acontecer e, algumas vezes, algo que já aconteceu.


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