Com personagens infantilizados e um mundo de figurantes, filme de Tunde Apalowo escancara o problema, mas permanece estagnado na dificuldade em se aceitar
O mundo ao redor de Bambino é formado por pessoas sem rosto, fora de campo ou filmadas de costas, seus posicionamentos na encenação causam algum desconforto e, ao mesmo tempo, revelam a falta de intimidade que o homem adulto tem com a socialização. Apegado a uma certa rotina, comendo sempre no mesmo lugar, evitando trocar mais palavras do que o necessário com qualquer um que seja, só enxerga o rosto de duas pessoas, da amiga que frequentemente está em sua casa tentando criar uma relação sexual entre os dois, e do homem que conhece eventualmente em uma casa de apostas. As escolhas de Tunde Apalowo vão de encontro a um coming of age, a observação de uma fase de descobertas e de um amor que nasce na infância ou adolescência. Seu protagonista é infantilizado, de comunicação travada e pouco traquejo social, é como observar alguém muito jovem e quase sem agência se conhecendo melhor e, nesse processo, entendendo sua sexualidade. Mas Bambino é adulto, vive sozinho, trabalha e toca sua vida, o que os planos revelam ao fundo são violências atreladas a uma sociedade intolerante que tornam o que Bambino e Bawa sentem um pelo outro, um problema maior do que apenas uma aceitação pessoal. Ainda que as escolhas (e fraquezas) da direção, da fotografia e das atuações, fortaleçam essas ideias, a execução travada ultrapassa a linha de desconforto comum das relações tímidas e vai para um lugar de amadorismo que prejudica a sensibilidade aplicada ao tema. Além disso, falta coragem em Todas as Cores do Mundo Estão Entre o Preto e o Branco para permitir que ao menos o próprio filme seja um lugar seguro para que os dois homens vivam esse amor, mesmo que em apenas uma única cena.
É compreensível o tom cômico que se revela em alguns momentos pela forma desajeitada como as encenações se dão. Os personagens que são praticamente crianças são colocados em situações que lhe parecem muito complicadas. A mulher que quer perder a virgindade com o amigo antes de se casar com outro homem e por isso força situações esquisitas, Bambino respondendo a toda e qualquer interação social, já que todas lhe parecem desconfortáveis ou como Bawa dá de cara nas portas da varanda tentando casualmente parar ao lado do homem de quem gosta, mas constantemente o rejeita. Novamente, a ideia soa mais interessante do que a execução, a rigidez desses momentos carece naturalidade para promover a humanidade que tanto pedem os momentos, fazendo com que o desconforto maior seja de quem assiste enquanto os personagens retratados mais parecem extremamente travados, quase robotizados. É difícil fluir qualquer emoção quando há essa barreira dura entre como vemos as pessoas, como elas se apresentam a nós e como elas pedem para serem vistas. Bambino claramente está nesse estágio em que precisa se aceitar, porém por estar inserido em uma sociedade homofóbica e violenta, tem dificuldades em compreender o que sente, é algo complexo em teoria, mas trabalhado de forma pouco articulada. As cenas constroem grandes espaços entre os dois homens, fortalecendo essa dificuldade do protagonista, mas os aproxima pelo plano e contraplano, desenhando uma proximidade imaginária. É talvez o que mais funcione, junto da atuação de Bawa, que é muito mais natural e transparece seu afeto por Bambino e uma paciência com seu momento. Ainda assim, as muitas rejeições começam a arrastar essa relação em um ciclo repetitivo.
Todas as Cores do Mundo Estão Entre o Preto e o Branco trava seu protagonista na mesma fase por muito tempo, entre a negação e a necessidade de se aceitar, sofrendo em desenvolvimentos pequenos em que ele permanece dividindo pouca ou nenhuma emoção, enquanto Bawa tenta ficar ao seu lado. O que parece complicado no longa é querer discutir o problema, escancarar a violência e a intolerância que existe muito próxima mas se manter nesse lugar de nenhuma possibilidade além, criando um diálogo muito limitado. Assim, até mesmo as interações mais românticas entre Bambino e Bawa, em lugares fechados, são presas a uma opressão externa e não passam nem ao menos a mera ideia de um desejo reprimido do lado do protagonista, de tão distante dessa etapa que ainda está. Se haveria um lugar seguro para os dois homens, provavelmente seria no espaço em que as lentes das câmeras os protegem, como sugerido pelo próprio filme, mas a jornada de Bambino se repete na negação e na infantilização, chega a um extremo de violência provocado pela frustração repentina de Bawa e se fecha em uma aceitação pouco corajosa. É mais fácil para Tunde Apalowo criar cenas em que a dor e a agressão se escancarem, do que efetivamente colocar o amor entre os homens se concretizando. Mesmo que existam inúmeros problemas sociais ao redor deles, esse desenvolvimento romântico passa a ser o foco principal, deixando o restante em segundo plano, como a composição de profundidade de muitos de seus planos são.
É um tanto triste então que a aceitação de Bambino seja forçada, empurrada, já que este parece o maior objetivo do longa e que, feito isso, com o homem se encontrando com seu próprio interior, ainda seja tão impossível que os dois ao menos se toquem. Pode-se pensar que há alguma sensibilidade muito maior nessa poética de despir-se para o outro, entregando-se em sua forma mais vulnerável, e de fato, seria verdade e bastante suficiente, não fosse a jornada travada e o anseio construído cena após cena de que após retratar tanto esse mundo violento que precisa ser enfrentado, haja realmente coragem para que o amor seja essa resposta concreta, mais do que sugerida com sutileza.
Nota da crítica:
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