Em sua segunda Palma de Ouro, Östlund mostra que não há nada pior do que dar alguma atenção e reconhecimento para um cineasta pretensioso
Em 2017, The Square levava o maior prêmio de Cannes, provavelmente validando a visão do diretor e suas críticas rasas a um mundo que o cerca e o inclui, mesmo que ele pareça se colocar muito acima de tudo isso. Em Triângulo da Tristeza as coisas não são muito diferentes de seu filme anterior, o estilo de sátira de Östlund permanece o mesmo e seus comentários seguem carregando a mesma prepotência. Dessa vez, a divisão em atos do longa contém três pedaços que poderiam ser filmes completamente independentes, ainda que amarrados pela mesma história. E, assim como já fez antes, o longa tem sim seus momentos interessantíssimos, como a cena do jantar - ponto alto como foi na famosa sequência de The Square - que faz com que o segundo ato seja o melhor, perdido em um mar de outras tantas coisas que se tornam tediosas demais para sobreviver à terceira e última parte.
Na primeira parte o longa foca na relação de Yaya (Charlbi Dean) e Carl (Harris Dickinson) em uma sociedade de aparências. Girando em torno de um relacionamento forçado para gerar likes, uma influenciadora digital fútil, dois modelos e uma discussão sobre papéis de gênero e dinheiro, a sátira funciona como uma introdução que certamente poderia ser resumida em menos tempo, já que suas ideias se repetem e é apenas um caminho para chegar aos outros tantos comentários que Östlund pretende fazer. Passando para o segundo ato, no cruzeiro de luxo, a relação do casal de modelos vai sendo colocada cada vez mais em segundo plano enquanto outros personagens são apresentados. Por vezes, o humor do filme se torna chato de tão óbvio, a tripulação branca comemorando exageradamente as gorjetas que irá ganhar enquanto num lugar mais baixo ficam os trabalhadores imigrantes, menos valorizados e esquecidos, por exemplo. Tudo é tão forçadamente caricato que parece que o diretor sente uma necessidade enorme de explicitar, explicar, como se suas críticas fossem assim tão inteligentes que o público precisasse de tudo absurdamente escancarado.
Ainda que seja dessa forma, a segunda parte é a mais interessante e que poderia ser o foco, pois tudo que vem depois vai tirando cada vez mais a atenção da obra. No barco, o humor com as divisões de classes, a incomunicabilidade entre idiomas e a sátira com os milionários, os colocando como completos idiotas em mares de vômito e diarreia, funciona mais por não se levar nem um pouco a sério. As dinâmicas entre o capitão com crenças marxistas (Woody Harrelson) e o russo amante do capitalismo rendem bons momentos e diálogos no meio de um caos de hipocrisias. A merda pode até ser igual, mas enquanto os ricos ficam em estado deplorável, ainda são os trabalhadores que limpam suas sujeiras, já que onde há dinheiro, é o capital quem manda. E nesse ato, as críticas do filme até funcionam nesse absurdo, mesmo que colocadas no pedestal prepotente do diretor, afinal, ter asco e rir da cara dos ricos - e prepotentes - combina perfeitamente com o que ele propõe.
Infelizmente, seu último bom momento fica por conta do casal que explode pela própria granada que vende, o último comentário óbvio que quer soar inteligente mas que ainda tem algum efeito positivo. No terceiro ato, Östlund se torna ganancioso demais e resolve levar as coisas mais a sério, alongando e se repetindo, entediando completamente. Na ilha, onde não há dinheiro, as dinâmicas de poder se alteram, colocando uma trabalhadora do mais baixo escalão do barco como a líder absoluta do grupo de sobreviventes. Parece que em algum nível, o diretor tenta se aproximar da lógica de outro vencedor da Palma de Ouro, Parasita (Bong Joon-ho, 2019), mas o faz como todas as suas narrativas, de um lugar lá do topo, de quem claramente não conhece os lugares mais baixos. Por isso, a trabalhadora se torna um ser difícil de se importar ou mesmo de odiar, como todos os outros, e a maior tortura é continuar os acompanhando, já que se todos morressem não faria a menor diferença. Se a intenção era dizer que ela está num lugar de poder e isso a torna tão desprezível quanto seus opressores, não consegue nem ao menos conectar algum sentimento a isso e vai esvaziando suas críticas cada vez mais, girando em círculos para dizer algo que talvez já tenha dito, mas possivelmente ache necessário explicar ainda mais.
Da última vez que o cinema mostrou um pobre pensando em usar uma pedra como arma para se livrar de voltar a uma vida miserável, o mundo inteiro parou para ver. Dessa vez, a cena vem como alívio, de encerrar finalmente um filme de mais de duas horas que queria ter muito a dizer.
Nota da crítica:
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