Tribeca 2025 | A Second Life
- Raissa Ferreira
- há 3 dias
- 3 min de leitura
Laurent Slama discute saúde mental e a vida sufocante em grandes centros, em filme que preza pelo contato com as ruas

Para quem pesquisar o nome do diretor Laurent Slama, ele pode parecer iniciante, e seu novo filme A Second Life também indica o mesmo, no entanto, o cineasta, que descreve a si mesmo como autodidata, já realizou dois filmes com o pseudónimo Elisabeth Vogler. Agora, ele aproveita o nome retirado do clássico de Bergman para sua protagonista. Agathe Rousselle, que há apenas 4 anos estrelava um dos poucos filmes vencedores da Palma de Ouro dirigidos por mulheres, vive uma mulher que sofreu perda auditiva, mora em Paris mas tem muitas origens diferentes, trabalha em uma dessas empresas de aplicativos que exploram mão de obra barata e uberizam serviços, nesse caso uma espécie de Airbnb com padronização de atendimento presencial, e passa por uma crise de saúde mental no momento em que a cidade recebe uma avalanche de visitantes, as olimpíadas de 2024.
Slama preza por um cinema feito nas ruas, com contato direto com as pessoas e os acontecimentos. A Second Life trabalha com a grande angular em quase 100% do tempo, distorcendo o mundo ao redor de Elisabeth e dos personagens que ela encontra ao longo do dia, mas se relaciona muito com o clima urbano. Nesse momento tão turístico, a narrativa conversa tanto com o contexto dos jogos olímpicos que por vezes o longa parece mais uma propaganda do ministério do turismo da França para mostrar como esse evento foi um momento alegre para todos. Paralelamente a isso, Elisabeth pensa em suicídio, tem sua vida consumida por um trabalho precarizado e passa seu tempo entre o silêncio reconfortante de remover seus aparelhos auditivos e o som ensurdecedor do mundo.
O filme alterna entre esse clima do momento, da união dos povos de vários lugares, até mesmo usando atores que afirmam essa ideia, com um discurso positivo e acolhedor sobre saúde mental. Para balancear o rosto fechado de Elisabeth, sua angústia e estresse, Elijah é inserido com cores alegres, cabelo colorido, roupas divertidas e ótimo humor, quase uma versão infantilizada de um adulto, sempre fazendo perguntas e se relacionando com outros nas ruas de forma ingênua, enquanto a mulher de roupas pretas está sempre exausta com tudo. Aos poucos, o comportamento de Elijah vai penetrando na casca de Elisabeth.
Passando-se praticamente ao longo de um mesmo dia, A Second Life é uma obra em que os personagens caminham muito a pé, pelas ruas de Paris, e encontram outras pessoas. As interações, no entanto, quase sempre são bastante esquisitas, não no sentido bizarro puramente, mas também por um roteiro pouco elaborado. Em dado momento Elisabeth encontra um homem que pode lhe ajudar a conseguir um emprego melhor, mas a entrevista soa como algo entre uma empolgação sem sentido ou uma isca para tráfico humano, difícil dizer. Em outro, uma mulher asiática aleatoriamente é adicionada ao grupo que se forma com a protagonista, seu novo amigo e um casal conhecido, mas pouco fala ou se integra ao filme.
As intenções de Slama são claramente das melhores, discutir a saúde mental em um mundo contemporâneo que consome jovens adultos em dinâmicas sufocantes em grandes cidades, mas filmados do lado de fora, com o céu, com pausas de respiro e momentos de silêncio. Pessoas são colocadas juntas, se acolhem, se transformam umas com as outras, há ajuda e simpatia nas ruas. Porém, a execução não é das melhores, ficando sempre entre a propaganda turística e o pôster motivacional da prevenção ao suicídio.
Com dificuldade de progredir as relações apresentadas ao longo da obra, A Second Life acaba por se concentrar mais em como Elisabeth e Elijah podem se ajudar. É um tanto ingenuamente otimista como a protagonista passa a sorrir e ter alguma vontade de viver depois de encontrar esse ursinho carinhoso nas ruas, os discursos soam muito fabricados e pouco naturais, mas existem escolhas visuais que tornam a atmosfera interessante. Estar nas ruas é, por exemplo, algo que ajuda a enriquecer o filme, ainda que Slama insista em uma conexão constante com as olimpíadas, como uma resposta atual ao caos vivido. Tanto o acaso, quanto as condições de trabalho, a perspectiva de futuro e a ideia de pertencimento na sociedade contemporânea, são digeridas aqui.
Ansiedade, ataques de pânico, depressão, desemprego, relacionamentos abertos e afetos casuais, tudo atravessa Elisabeth como a todos os adultos tentando navegar uma vida em uma grande cidade. Mas, apesar das dificuldades e do mundo que se distorce ao redor, Slama busca sempre a doçura e o otimismo, de encontrar beleza nas ruas, na arte, na vida e no acaso.
Nota da crítica:
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