Visions du Réel 2025 | And the Fish Fly Above Our Heads
- Raissa Ferreira
- 24 de abr.
- 3 min de leitura
Dima El-Horr retrata o momento presente do Líbano por meio da melancólica relação de três homens com o mar
Dima El-Horr abre seu filme voltando ao passado. 20 anos atrás, ela viu homens na praia, deitados e imóveis, com o mar azul à frente e a cidade de Beirute atrás. A cineasta decidiu fazer um filme sobre eles e, assim, conheceu Reda, um de seus personagens. As imagens que contam essa pequena história na introdução de And the Fish Fly Above Our Heads, remetem ao verão, à calmaria das águas de cor forte, um sentimento mais sereno e positivo, em razão de aspecto quadrada. A ruptura acontece no presente, em que a diretora retorna à esplanada com vista para o Mediterrâneo e reencontra o homem alto e ruivo que filmou anteriormente, mas agora o céu vai se tornando acinzentado e o clima parece frio e pouco acolhedor.
A paisagem que And the Fish Fly Above Our Heads capta reflete o estado de espírito dos homens que El-Horr filma. Não foi apenas a pele de Reda que se tornou mais seca e enrugada nos últimos 20 anos, mas as perspectivas dessas pessoas que encontram algum refúgio no mar, também se tornou menos vívida. Ainda que o sol esteja ali do começo ao fim do longa, ele vai se tornando menos vibrante e claro e a fotografia parece o abafar de alguma forma. O que a cineasta traduz em suas imagens é a melancolia de Beirute, por meio dos homens mais velhos que estão deslocados nessa sociedade, só encontrando algum lugar para passar seus dias na beira-mar.
Pensando na guerra, em explosões, ataques, mortes e na crise do Líbano em geral, El-Horr filma Reda, seu personagem principal com quem tem uma boa proximidade, Assem, um senhor que se feriu em conflitos e passa os dias na praia para não dividir a casa com a cunhada, por motivos religiosos, e Adel, amigo de Reda, que nada no mar para aliviar o estresse do trabalho em um hospital. O que And the Fish Fly Above Our Heads faz é captar seus olhares tristes com o mar ao fundo, compreendendo o contexto que os cerca, da falta de empregos, a economia em ruínas, paredes perfuradas por balas e uma água que pode ser tanto a salvação de alguns, como tende a ser para eles, quanto uma maldição para o que ali morrem.
El-Horr filma o mar enquanto lembra-se que no momento em que realiza seu documentário, faleceram afogados 2500 refugiados só naquele ano. O Líbano tem a maior população de refugiados per capita do mundo, a maioria vinda da Síria, além de sofrer com os ataques de Israel, e entre os vindos de fora e seus antigos moradores, todos ficam sem horizonte, com medo de morrer e sem saber como viver. Então, mesmo quando Reda sorri, falando dos seus muitos amigos, a câmera permanece e, em poucos segundos, seu semblante volta a ser melancólico. Os três homens passam seus dias ali, na praia, com o clima pouco convidativo, olhando tristemente a paisagem, enquanto Beirute fica em suas costas, instável e insegura.
A cineasta até caminha um pouco pela cidade, que quase sempre parece nublada, mesmo que esteja fazendo sol. Mas, esses momentos são sempre com Reda, ela evita focar-se em outras pessoas, dedicando seu tempo exclusivamente aos três personagens com quem tenta criar vínculos, perguntando de seus dias, seus sentimentos, quebrando o gelo para que eles lhe contem algo mais. Nessa praia em que só há homens, a maioria mais velhos, pouco se fala, todos permanecem observando, deixando o tempo passar. Logo, a presença de El-Horr não apenas documenta os dias nesse pequeno pedaço de Beirute, como também movimenta seus dias de uma forma diferente.
Enquanto And the Fish Fly Above Our Heads aproveita o ritmo das rotinas retratadas, a melancolia dos homens é traduzida nas imagens, traçando uma relação direta entre a geopolítica e os fantasmas que sobram com quem permanece. Reda, Assem e Adel, mantêm-se imóveis em Beirute, tornam-se parte da praia como as pedras que existem lá antes mesmo dos homens. El-Horr constroi, então, com sua narração e suas interações, a movimentação de um retrato daqueles que observam o país ruir, e do refúgio temporário que encontram no mar, dia após dia.
Esse texto faz parte da cobertura do Visions du Réel 2025 - Festival Internacional de Cinema de Nyon
Nota da crítica:
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