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Visions du Réel 2025 | Les Vies d’Andrès

Nas estradas francesas, Baptiste Janon e Rémi Pons investigam os trabalhadores adoecidos por um sistema fora de controle


Les Vies d’Andrès

Quem é Andrès? A inspiração no livro de B. Traven, que conta a história de um jovem indígena lutando para se libertar da escravidão por dívidas na época da Revolução Mexicana, é trabalhada por Baptiste Janon e Rémi Pons nas estradas francesas, com caminhoneiros cada vez mais exauridos pela aceleração do capitalismo. O personagem principal do livro torna-se persona para que os trabalhadores do frete possam contar suas histórias, desabafar sobre suas dificuldades e sentimentos, e, usando o mesmo nome nessa dinâmica da narrativa, construir a imagem do coletivo, do grupo operário, enquanto é capaz de conhecer individualmente cada um deles. 


Les Vies d’Andrès (The Multiple Lives of Andres) dá a oportunidade para homens falarem sobre eles mesmos usando um personagem. “Andrès tem uma família”, “Andrès já teve um infarto”, “Andrès queria fazer outra coisa”, são algumas das frases que são escutadas de diversos caminhoneiros, partilhadas com os diretores e suas câmeras, na boleia dos veículos da empresa Paquet, que também abre seus escritórios para as filmagens. Então, as cenas se dividem em grande parte em homens vistos de lado enquanto dirigem, com a gravação ocorrendo no banco do passageiro, momentos operacionais na sede da empresa e uma vista das estradas.


Andrès tem muitos nomes, muitas idades, origens, sonhos, desejos e coisas o esperando em casa. Mas todos são trabalhadores vistos em sua operação, movendo as máquinas que fazem a economia girar. Com a evolução do consumo na sociedade, grandes corporações querem vender cada vez mais e entregar mais rápido, alimentando uma lógica de demanda ansiosa. Os produtos não chegam magicamente em um dia nas casas das capitais e grandes cidades, são levados pelas rodovias em caminhões por homens como Andrès, em jornadas cada vez mais exaustivas. E empresas como a Paquet focam apenas no cliente, em atender aquele que contrata o serviço, desumanizando seus empregados.


Isso fica muito claro por como Les Vies d’Andrès reforça nas cenas funcionários e patrões dizendo aos caminhoneiros que o cliente é a prioridade, que ele precisa ficar satisfeito, e por cartazes e frases nos escritórios que reforçam uma ideia de que coletivamente as pessoas trabalham para manter a empresa e não a afundar, enquanto, na realidade, trabalhadores são afogados nesse processo. Assim, vê-se um homem sendo obrigado a deitar embaixo do caminhão em que trabalha para o arrumar, enquanto seu chefe diz por telefone que não fazer isso seria má vontade e custaria muito dinheiro para seus empregadores. 


O documentário empilha burocracias as colocando paralelamente com a condição terrível em que esses muitos Andrès são forçados a trabalhar. Formulários precisam ser preenchidos pelos homens, que são destratados por clientes e extrapolam suas jornadas. Rotas são traçadas por pessoas confortavelmente sentadas em mesas, com computadores e telefones, enquanto motoristas saem de suas casas de madrugada e retornam só pela noite. Um Andrès conta a saudade que sente de passar bons momentos com seus filhos, descreve sua casa e pensa no tempo que perde para ganhar o sustento da família. Outros falam sobre se aposentar e, como essa dinâmica de suas profissões demandam tanto da saúde, que talvez esse dia não chegue em vida.


Janon e Pons, também roteiristas da obra, criam conexões com seus Andrès, acompanhando suas viagens e as aproveitando para conversar, perguntar, tirar deles em texto, em diálogo, a conclusão em que as imagens também conseguem chegar. A câmera do filme se torna cúmplice e amiga, registra evidências de absurdos que esses homens precisam passar, e ainda tira deles desabafos muito sinceros e melancólicos. Diariamente nas estradas, muitas vezes chegando até Paris, um dos motoristas revela nunca ter tido a chance de conhecer a Torre Eiffel, mesmo passando na mesma cidade. Embora muitos tenham certo orgulho e felicidade da profissão, por viverem longe de escritórios, terem sempre bonitas paisagens e uma liberdade de mudar de empresa facilmente, os grilhões contemporâneos apertam cada vez mais suas vidas.


Les Vies d’Andrès capta, dessa forma, o prazer desses homens pela vida na estrada, deturpado pela lógica capitalista descontrolada. O mesmo Andrès que tem paixão pelo caminhão, adoece pelo emprego. A provocação que os cineastas fazem ao se conectarem humanamente com seus personagens, paralelo a uma visão burocrática que escancara o funcionamento focado somente no lucro, dá visibilidade a profissionais pouco vistos ou retratados, enquanto faz a pessoa espectadora refletir sobre um sistema que restringe liberdades, desumaniza e adoece aqueles que o possibilitam funcionar.



Nota da crítica:

3.5/5


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