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Visions du Réel 2025 | The Prince of Nanawa

Clarisa Navas e sua equipe tornam-se íntimos no processo de observar uma criança se tornar um jovem adulto, com todos os rompimentos e obstáculos de seu contexto

The Prince of Nanawa

Ángel tem nove anos quando as cenas de The Prince of Nanawa (El príncipe de Nanawa) começam. Sua presença parece sequestrar a narrativa o que, mais tarde, será revelado como o ponto em que Clarisa Navas e sua equipe conheceram o menino nas filmagens de uma série e acabaram se apaixonando por sua personalidade. A amizade entre os adultos e o pequeno menino resultou em uma ideia de um filme que, assim como a vida, não saberia onde iria parar. Clarisa passou a viajar à pequena cidade na fronteira entre Argentina e Paraguai, em que uma ponte de madeira separa tudo, para visitar Ángel e filmar seu crescimento, sempre muito focada na estrutura da fronteira, os idiomas que se misturam e nos aniversários do protagonista. Com mais de três horas de documentário, a equipe acompanha todo o amadurecimento do menino, que queria se tornar um veterinário e cuidar de todos os animais quando crescesse, se tornar um adulto completamente diferente.


Filmar a vida real acontecendo é sempre lidar com o inesperado, talvez todos os filmes sejam assim, mesmo com roteiros bem determinados, mas no caso de Clarisa, os fatores do acaso são muito mais presentes. É impossível saber quem Ángel se tornará e como o filme se desenvolverá a partir disso, assim como a própria relação da cineasta, seu grande amigo que trabalha no som e sua produtora, que vão se tornando parte da família que filmam. The Prince of Nanawa sabiamente absorve tudo que seu material humano dá, a amizade que cresce junto com o garoto, seu desenvolvimento na frente das câmeras, das falas bonitas de uma criança cheia de ideais a um adolescente com pensamentos conservadores que vai se transformando a cada novo ano. O filme começa a fazer parte fundamental de seu amadurecimento, com a equipe até mesmo participando de conversas importantes que o ajudam a pensar. 


As lentes captam tudo, mesmo que nem sempre presentes, por vezes nas mãos de Ángel e por vezes nas visitas da diretora ao protagonista, são capazes de unir tudo que é fundamental na formação do que será, um dia, um homem quase adulto. Nem Clarisa nem seu filme atuam para julgar quem Ángel está se tornando, ou a brutal diferença da criança que abre o documentário para o jovem que o encerra, o laço construído entre todos se torna maior e o afeto vira lugar de acolhimento. Forma-se uma família e, daí, nasce uma obra audiovisual, rompendo qualquer distanciamento que poderia resultar em um trabalho que só observa. The Prince of Nanawa participa tanto, que a relação entre quem filma e quem é filmado é, em alguns momentos, até mais importante do que seguir com o registro. 


Dividido em duas partes, o documentário tem um ponto de ruptura logo quando a pandemia começa. Muitas imagens de celular de Ángel preenchem um período de distanciamento, até que a dinâmica tradicional seja retomada. Ao longo dos anos, são quase 10 da vida do garoto dentro do filme, vemos o equipamento digital se transformar, a vida em sociedade, a cidade e a ponte mudarem. Mais do que isso, é a criança loirinha apelidada de príncipe de Nanawa, por sua aparência e por sua personalidade forte, de quem sempre tem muito a dizer, que muda. O sonho de ser veterinário se transforma em um trabalho com contrabando, ilegal, que não pode ser filmado. Os romances vão indo e vindo ao longo de seu amadurecimento, mas o desejo de ter filhos permanece. O pai morre, uma visita a um irmão distante e muito mais velho acontece, Ángel até se muda, mas não para muito longe.


O rompimento com a infância é o fator mais forte em The Prince of Nanawa, pois é a criança que encanta nas primeiras cenas a que sequestra a atenção de Clarisa e sua equipe para fazer seu próprio Boyhood documental. Em algumas horas ele é um adolescente usando drogas em festas, depois pilotando sua moto e morando com a namorada. Ángel é atropelado pelo amadurecimento, cresce rápido demais, torna-se marido com apenas 16 anos e pai antes dos 18. Então, conhecer a região da fronteira, o embate dos idiomas e a relação entre a ponte, nunca foi objetivo do longa, mas sim conhecer o garoto e, a partir de seu desenvolvimento, é que se descobre o lugar.


Quais são as oportunidades de ganhar dinheiro, como as famílias se formam, as chances de estudar e trabalhar, as possibilidades de lazer para a juventude, valores e perspectivas, tudo que há para se pensar sobre a região e o município de Nanawa, é registrado pelo documentário a partir da vivência de Ángel e aqueles que o cercam. Assim, uma amostra daquela sociedade através dos anos é tirada pelo íntimo. A relação entre Clarisa, sua equipe e o protagonista, que transborda para uma amizade muito maior que uma simples parceria de trabalho, facilita um resultado mais sensível e humano, mas também revela questões sobre cruzar certos limites na feitura cinematográfica. 


A cineasta opina diretamente na vida do jovem, opera ativamente e acaba tornando-se, também, personagem nesse processo. Assim, todos possuem alguma dificuldade de encerrar a obra e algumas emoções parecem mais particulares a esse universo, dentro da tela, do que fáceis de traduzir para a pessoa espectadora. A ponte que se criou entre todos, quem filma e quem é filmado, não é sempre tão forte do outro lado. Abre-se muito espaço para pensar e questionar o que ocorre com Ángel, seu relacionamento, seu trabalho, seu futuro e seu amadurecimento muito precoce, mas tudo sempre parece mais pertinente a Clarisa e aos outros, do que a quem assiste. 


A pessoa espectadora fica no distanciamento do registro com alguma melancolia pela rapidez de condensar uma vida em pouco mais de 200 minutos. A atuação muito humana de The Prince of Nanawa evoca um sentimento agridoce, de observar a vida se transformar e a infância se perder no processo, mas com o afeto de uma equipe que, diferente de quem assiste, está próxima verdadeiramente daquela pessoa e, assim, enxergou seu processo de forma gradual, com menos impacto pela brutalidade da metamorfose. 



Nota da crítica:

3.5/5


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