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Visions du Réel | Ever Since I Knew Myself (2024)

Explorando as duras criações conservadoras na Geórgia, Maka Gogaladze confronta sua própria infância mas não cruza a barreira que transforma o poético em íntimo


Ever Since I Knew Myself

Confrontar a própria mãe sobre o passado é possivelmente um evento que todas as mulheres já ao menos pensaram algumas vezes, algumas tiveram a chance de realizar, e quando pensamos nas gerações anteriores, esse embate se torna cada vez mais impossível. Se para muitas pessoas questionar suas mães já é impensável, quando transportamos esse debate para nossas avós fica ainda mais difícil. As barreiras de incomunicabilidade atravessam gerações e a possibilidade de discutir se torna uma afronta, afinal, cada uma das mulheres de nossas famílias foram criadas por outras mais duras e mais sofridas, com sociedades mais opressivas e conservadoras ao seu redor. A realidade que vivemos hoje, no recorte que nos cabe, é totalmente distante da que nossas bisavós viveram, assim como a vivência de Maka Gogaladze, na Geórgia, é muito diferente da crítica brasileira que escreve aqui. Mas o que é comum a todas nós é, provavelmente, essa necessidade de confrontar nossas criações, as relações maternas e como elas nos moldaram, passando por períodos de falta de compreensão ou revolta com os humanos que foram responsáveis por nós. Nem todo mundo será capaz de colocar a mãe na frente da câmera e a questionar sobre algo tão incisivamente como Maka fez em seu documentário, mas, internamente, talvez partilhemos algumas formas de sentir e refletir abordadas no filme.


O que é curioso é que Ever Since I Knew Myself parte justamente dessa proposta muito pessoal, estabelecer sua própria história, colocar a mãe em embate com o dispositivo, e sua autora, e observar outras crianças do mesmo país para estabelecer uma relação, porém, Maka não se insere no filme diretamente, muito menos frontalmente. Não é a ausência de sua imagem a questão, mas sua disponibilidade dentro da obra, ainda que sua voz seja ouvida ao propor perguntas e reflexões para a mãe, é como se ela só realmente se colocasse nesses momentos, como mediadora de um debate, nunca deixando que as outras questões se misturem de forma íntima a ela mesma. A conexão criada inicialmente, entre uma entrevista que coloca em pauta as aulas forçadas de piano durante 7 anos, com uma aula do mesmo instrumento em que a professora é vista apenas de costas, carregada de um discurso muito duro para sua aluna, seguida de aulas de balé em que corpos muito pequenos de meninas são esmagados para atingirem melhores resultados, se perde quando o filme não é capaz de tecer a mesma ligação tão potente em suas outras sequências, usando Maka de centro. Ocorre que o restante se pauta na mesma lógica e enquanto retrato dessa sociedade bastante nacionalista, conservadora e rígida da Geórgia, funciona muito bem, mas o fator pessoal que conectaria tudo e serve de premissa, se dissipa.


Maka inicia seu filme e o fecha falando das poesias que escrevia quando era mais nova, ela afirma que não quer mais ser poeta, mas ironicamente utiliza sua tela para escrever o que deseja dizer em imagens de um céu muito claro. É uma manifestação artística que utiliza o cinema de forma muito mais contemplativa e poética, do que pessoal e íntima. A diretora parte muito mais dessa relação distante, em que o espectador tira sentidos e significados de suas observações externas, do que abre seus sentimentos para ele. Bater de frente com a mãe acaba então alimentando essa investigação sobre a Geórgia e sua estrutura social, de como crianças são ensinadas pela dor do esforço, como mulheres devem ser femininas e delicadas e homens duros e fortes, e esse é um caminho bastante interessante, mas que falha em conectar a autora que propõe uma questão sobre si mesma. Maka tenta usar o espaço com sua mãe como uma terapia, dizendo que não quer que esse filme se repita daqui a alguns anos, constantemente fazendo alusões visuais a um olhar para o passado que busca seguir em frente - nas estradas e retrovisores, por exemplo -, no entanto, é sempre nesse campo muito mais simbólico e distanciado que ela coloca a si mesma no filme, trabalhando algo que parece incompleto, faltando sua peça principal. 



 

Nota da crítica:

2,5/5


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