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Visions du Réel | Mãos à Terra (2024)

Partindo de um recorte regional, Sérgio Guidoux traça um panorama completo da história do cultivo de alimentos, atravessada pela política e organização coletiva


Mãos à Terra

Quando pensamos no tamanho do Brasil e cada região, contar uma história sobre o cultivo de alimentos, agricultores e agrotóxicos, provavelmente demandaria uma série de filmes até se aprofundar em cada particularidade, movimento e problemas envolvidos. Mãos à Terra parte então do que conhece e está perto de seus realizadores, a região sul do país, iniciando seu panorama na chegada da soja e com ela, diversas empresas gigantes e interesses financeiros que influenciaram e modificaram para sempre a relação dos agricultores com a terra. É nesse mesmo lugar que nascem os questionamentos e as movimentações contrárias, grupos que buscam alternativas e lutam por direitos trabalhistas, pagamentos justos, reconhecimento e equidade de gênero no campo e uma preservação da natureza e da saúde na região. Quem hoje vive em grandes cidades e conhece uma ou outra feira de orgânicos pode achar estranho pensar que em Porto Alegre isso já existe desde 1989 e é se aprofundando nessa história que Sérgio Guidoux é capaz de traçar um panorama bastante completo, dentro de seu recorte estabelecido, que se fortalece mesmo com o formato documental mais rígido, pela riqueza informativa e de seu material.


Mãos à Terra tem um propósito educativo bastante claro, mas a proximidade e intimidade de seus realizadores com as pessoas que fazem parte dessa história, torna cada aprendizado bastante enriquecedor e garante uma troca empática com seus personagens que faz o espectador compreender que o maior prejudicado de tudo que está sendo relatado ali é ele mesmo. É uma construção gradual, que vem lá das primeiras intenções de nomes que hoje conhecemos tão bem, como a Monsanto, para chegar aos dias de hoje, com descartes absurdos de alimentos pela relação de custo, que vem até o consumidor em grandes mercados por preços alarmantes. Quem vive no Brasil e faz compras já está desesperado há uns bons anos com o aumento dos gastos com comida, e é um impacto e tanto, ainda que já se compreenda o cenário, observar quem cultiva esses alimentos relatar a realidade obscura que o sistema capitalista criou para algo básico à nossa sobrevivência.


Captando desde conversas com agricultores que mostram suas transições do veneno à terra viva, passando por todos os movimentos políticos e sociais que se pautam na união da população para criar uma alimentação segura e mais acessível, Mãos à Terra conta uma história das muitas que se tem no Brasil, de um projeto cruel que começa seu extermínio nos trabalhadores mais pobres e se reflete no prato de comida de cada pessoa, mas opta sempre por dar a solução, o otimismo na organização que luta contra, nos resultados de quem vai na contramão e hoje recupera sua relação com a natureza e com os animais. É justamente do cinema que essas lutas precisam, como arma de conscientização educativa, como ferramenta de impacto, algo simples, direto, mas bastante completo e trabalhado com sinceridade para falar diretamente com o espectador, que precisa ser provocado e se questionar. E esse embate funciona à medida que as respostas já são fornecidas pelo próprio longa, existem sim alternativas que dão certo, mas são sufocadas por interesses maiores, é aquele tipo de filme que te faz sair da exibição pensando em mudar suas escolhas, pensar em como encontrar alternativas em sua própria realidade, buscar, pesquisar, conhecer.



 

Nota da crítica:

3,5/5


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