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Visions du Réel | Reas (2024)

Lola Arias descarta a dor e o sofrimento da equação e faz da tela o palco colorido e musical para que uma diversidade de pessoas conte suas histórias de encarceramento


Reas

A câmera centralizada em planos mais abertos, cenários minimalistas mas sempre coloridos, uma fotografia que preza pela luz e dá vida até às celas da prisão, vez ou outra focando em detalhes, dos corpos, dos rostos, dos movimentos. É assim que a mise-en-scène de Reas se aproxima de um teatro bastante lúdico, e um tanto amador, para que as histórias de pessoas sejam contadas, sejam elas mulheres em sua maioria, cis ou trans, mas também homens trans usando a atuação para dividirem suas trajetórias, pessoas de todos os tipos de corpos e personalidades, carecas ou loiras, com tatuagens ou sem, mães ou não, femme queens se manifestando por suas performances de mãos, enfim, personagens em geral falando por meio das músicas e das encenações sobre questões muitos verdadeiras. Lola Arias celebra a diversidade nesse lugar que poderia ser apenas de dor e sofrimento, mas rejeita as narrativas queer que caem para esse lado, dá cor e alegria, e deixa que aqueles corpos se manifestem como preferem. O cenário escolhido, uma prisão abandonada em Buenos Aires, que será demolida mas por enquanto serve de locação para filmagens, tem a dureza estética específica de sua função, é claro, mas a equipe do filme é capaz de extrair com poucas ferramentas, uma outra atmosfera do lugar. 


A trilha sonora é um ponto extra, das músicas que regem as cenas musicais, utilizando as histórias das personagens para montar suas letras, com ritmos eletrônicos, até a composição da banda de rock que faz versos com cada participante do filme. É curioso como mesmo que o espectador não conheça por completo aquelas pessoas, nem saiba exatamente o que é ficção e o que é verdade, seja possível enxergar tanto delas nas músicas e nas encenações. O aceno a um romance entre Nacho e Yoceli, por exemplo, capta momentos entre os dois que extraem uma tensão muito legítima, quando se retira o véu mais ficcional da obra. Da mesma forma, quando a banda toca, cada um ali na plateia, ou no palco, vibra com seu próprio verso, há uma identificação imediata com suas jornadas. O ponto alto de Reas é justamente isso, mesmo que algumas atuações sejam mais amadoras, ou o teatro soe truncado em algumas cenas, se prioriza sempre a personalidade e história daquelas pessoas por um viés otimista e legítimo. É por isso que os melhores momentos são sempre os que parecem menos encenados, ainda que o enquadramento sempre seja muito marcado por sua posição fixa e central, como é sempre que uma das personagens ensina algumas performances de ballroom, vogue ou o uso das mãos para contar histórias, a montagem do baile delas com as guardas como juradas ou a apresentação da banda.


Existe algo que parece querer obrigatoriamente fugir de tudo que é mais doloroso, sem esquecer que essa parte existe, é claro, mas removendo o pesar. Quando alguém conta algo mais duro, a dramaticidade da cena é removida, a reação é curta e logo encaminhada a outra sequência. Quando Nacho apanha das guardas, não vemos a violência frontalmente, e o filme não lida diretamente com suas consequências, apenas coloca ali como uma realidade vivida, sem nunca se aprofundar nessas questões mais negativas. O que parece mais rico e importante a Lola Arias é que cada pessoa fale de si além desses pontos já tão conhecidos e desgastados, é a expressão individual de suas personalidades e corpos, de seus sonhos e objetivos além das grades. A vida na prisão é um recorte importante em suas jornadas, mas existe muito mais que forma alguém, assim como uma pessoa trans carrega muito mais do que histórias de preconceito e dor, parece ser esse o ponto em que Lola quer chegar, dar cor e felicidade a esses momentos, dar rosto e nome a narrativas que pouco são lembradas, muito menos dessa forma. Reas liberta o documentário da estrutura narrativa rígida, abre espaço para outras formas, assim como libera os estereótipos queer, e de pessoas que foram presas, das retratações mais comuns.



 

Nota da crítica:

3,5/5


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