CPH:DOX 2025 | Balane 3
- Raissa Ferreira
- 3 de abr.
- 3 min de leitura
Ico Costa registra o fluxo cotidiano de Inhambane, em Moçambique, focando-se na juventude e suas vivências locais
Como retratar um lugar do qual você não faz parte e mostrar a vivência de pessoas com as quais você não convive? Para Ico Costa a resposta foi posicionar sua câmera de forma distante, sem interagir com os personagens, apenas filmando o fluxo de acontecimentos em cinco bairros de Inhambane, em Moçambique, captando conversas, flertes, brincadeiras, danças, discussões, ou seja, basicamente os dias se passando de forma comum. Praticamente em sua totalidade, Balane 3 filma as pessoas sem que elas demonstrem notar o aparato cinematográfico. Somando isso ao fato de que o cineasta português mantém sua postura como um estrangeiro, delimitando uma barreira invisível que marca a fronteira entre a observação externa e os acontecimentos cotidianos, o longa une imagens em que a pessoa espectadora assume essa mesma posição distante e forasteira, não fazendo parte jamais do que está em cena, apenas estrategicamente posicionado para absorver os momentos.
O que faz com que Balane 3 não seja apenas um compilado de cenas reais é a forma como Costa elabora sua perspectiva. Em dado momento, por exemplo, a câmera observa com maior proximidade dois jovens flertando, filmando seus rostos de frente enquanto um diz algo no ouvido do outro. A menina fica tímida, o rapaz se sente confiante, tudo isso pode ser notado sem ao menos ouvir exatamente o que dizem. Em outra cena, dois homens de uniforme conversam de forma parecida, cochichando um no ouvido do outro, mas, nesse momento, o registro os capta pelas costas, possibilitando que uma mulher passando na frente dos dois seja vista no mesmo plano. De forma similar, uma festa de aniversário é registrada no momento do bolo, convidados cantam e batem palmas fora do plano e a aniversariante e suas familiares mais próximas são vistas de frente. Pouco depois, uma celebração de casamento é apresentada do lado oposto, podendo-se ver os convidados empolgados, cantando e dançando, enquanto o casal de costas permanece sem muita agitação, parados na mesa.
Com o simples fato de pensar em que ponto posicionar a câmera, Costa tece diferentes pontos de vista, em que quem assiste ao filme está sempre no mesmo nível das pessoas registradas, mas há a indicação exata de para onde deve-se olhar, o que resulta em uma interpretação bastante específica do momento. Há também em Balane 3 muita curiosidade nas conversas e interações, desde se intrometer em relações bem íntimas (o que beira um fetiche com o uso das experiências desses personagens para compor as cenas), até passar longos minutos ouvindo um homem relatar todas as doenças e problemas que seu corpo tem ou já teve. Durante o documentário, há acenos engraçados ao Brasil, como uma música de Zezé Di Camargo & Luciano no karaokê (curiosamente o português não tão próximo do brasileiro em sotaque, aqui torna-se idêntico), uma novela na televisão, letras musicais com Ronaldo e Neymar, entre outras referências.
A somatória das filmagens em película demonstra uma cidade muito machista, com cenas que vão de homens conversando sobre mulheres e suas aventuras, denotando imaturidades e visões reducionistas e problemáticas, em paralelo a conversas entre personagens femininas que relatam problemas na vida amorosa. No entanto, o ponto mais perturbador é quando o longa capta uma reunião entre duas famílias que falam de uma jovem primeiro a comparando a um carro que foi emprestado e quebrado, depois a um animal que fugiu, tudo para dizer que ela engravidou de um dos filhos da outra família. Costa mistura sua curiosidade mais inocente, de situações corriqueiras, a caminhar na linha fina do mau gosto, quando opta por, em sua posição já sabida, incluir um interesse por esses acontecimentos.
Ao unir todas as sequências rotineiras de festas, refeições, papos em estabelecimentos e pelas ruas, focando-se bastante nos diálogos espontâneos e em planos alongados que demoram-se no fluxo dos instantes, Balane 3 tenta estabelecer uma perspectiva sobre Inhambane, das gerações mais jovens, principalmente, mas, também, de tradições, preconceitos, cultura, consumo e vivência em sociedade. Porém, é impossível para Costa atravessar sua barreira de estrangeiro, o longa está muito preso a essa visão que é sempre um retrato de fora, nunca consegue tocar ou se misturar ao que observa.
Esse texto faz parte da cobertura do CPH:DOX Copenhagen International Documentary Film Festival 2025
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