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CPH:DOX 2025 | Youth (Hard Times)

Atualizado: 4 de abr.

No segundo filme de sua trilogia sobre trabalhadores chineses, Wang Bing eleva o tom crítico e se torna mais ativo com sua câmera

Youth (Hard Times)

Depois de Youth (Spring), lançado no Festival de Cannes em 2023, Wang Bing estreou as duas partes seguintes de sua trilogia em Locarno, no ano de 2024. Youth (Hard Times), o segundo capítulo e o mais longo, acompanha novamente os jovens, e alguns nem tanto assim, trabalhadores têxteis de Zhili, na China, que produzem roupas infantis principalmente para o mercado nacional. As filmagens ocorreram praticamente no mesmo período do primeiro documentário, entre 2015 e 2019, costurando a temporada de trabalho, que consiste em diversos meses em que os trabalhadores ficam alojados juntos, operando por horas em máquinas de costura, para, ao fim, negociarem os valores de cada peça e retornarem para suas cidades, casas e famílias. 


Para a pessoa espectadora já habituada com a primeira parte da trilogia, os prédios todos iguais, semelhantes a um presídio que confina os trabalhadores em condições conturbadas, os sons das máquinas de costura e a rotina sempre igual de suas operações já não são novidade. No entanto, as cenas de Hard Times denotam maior intimidade de Bing com o meio que observa, e sua câmera se torna mais ativa, buscando de fato perseguir os conflitos, entrar no meio das discussões, quase invadindo mesmo as conversas e acontecimentos. Não há mais cerimônias, em alguns poucos momentos uma pessoa ou outra até reclama da gravação, mas o filme tem um objetivo mais específico a seguir.


Bem menos tímido, Hard Times já conta com a sensibilidade anterior que Spring conferiu aos trabalhadores, marcando a humanidade além da observação que enxerga como se integram ao maquinário. Se o sistema de trabalho os desumaniza, pelos espaços apertados, escalas horárias, pagamentos baixos e negociações complicadas com os patrões, as lentes de Bing já estavam buscando as pessoas por trás dessa visão puramente operária, e da dinâmica que não garante direitos a eles. Agora, o segundo capítulo é muito mais crítico, enfrentando as problemáticas que rondam toda a sociedade chinesa e a temporada de produção em Zhili.


Introduzindo-se de forma mais íntima, filmando de conflitos pessoais e particulares, fofocas dentro dos grupos, a denúncias de um cenário muito maior, Hard Times é sobre as dificuldades enfrentadas por essas pessoas, principalmente as mais relevantes na sociedade. A câmera de Bing é muito mais detectável e ativa, até o próprio diretor passa a interagir de fato dentro do longa, perguntando coisas a seus personagens. A intenção se torna muito mais clara e o tom de denúncia é crescente ao longo da obra. Agressões, confusões, chefes que somem e deixam seus funcionários sem pagamento, negociações sobre os valores das peças e relatos de pessoas sobre brutalidades ou as que mal ganharam o suficiente para pagar suas viagens de volta, se tornam o centro do documentário.


Então, se antes o contraste entre o som das máquinas e os mais silenciosos momentos de descontração, bem como o alívio final de retornar para casa, eram fundamentais, em Hard Times o som das vozes dos trabalhadores é a maior arma da mise-en-scène. Ouvir seus diálogos, adentrar com essa câmera no meio das organizações e dos confrontos, é o que elabora e fundamenta a crítica a esse sistema explorador. Por isso, Bing opera a partir de seus personagens, segue a ação, as cenas carregam esse tom de buscar a história, registrar o momento. O retorno para casa, ao final, não serve como alívio do fim da temporada, mas também reforça o tom político. A batalha pelo retorno antes do ano novo, as casas com grandes espaços, a vivência com os familiares, o caminho de volta em trens e ônibus abarrotados, tudo denota esse abismo entre a necessidade de uma vida digna, comida, moradia, convívio social, e o que é feito para conquistar esses momentos, as condições precárias, a desumanização e a falta de amparo.


Hard Times ressalta como os trabalhadores precisam se unir em seus pequenos grupos para conseguirem alguma coisa. É como se os prédios têxteis em Zhili fossem governados sem lei, e cada fábrica tem seu patrão como comandante. Ao fim da temporada, operários formam pequenas assembleias para discutir pagamentos, em um dos casos, essa união é fundamental para garantir qualquer salário que seja, uma vez que a fábrica foi abandonada pelo chefe. Trabalhadores vendem equipamentos para terem seu dinheiro, batem boca com patrões, se revoltam com suas regras arbitrárias, lutam para conquistar o que é deles por direito. 


Ao longo do documentário, é perceptível a crescente vontade de Bing de confrontar e criticar, um reflexo de sua relação com a China e o banimento de seus filmes no país, colocando pela primeira vez na trilogia diálogos diretos, extraindo relatos políticos de seus entrevistados (que antes eram personagens observados apenas com distanciamento). O interesse de Hard Times é muito mais explícito, exibindo como tudo funciona coletivamente, dos valores pagos por peça em cada fábrica na mesma cidade, ou rua, até a organização dos trabalhadores em busca de melhores salários. Wang Bing tem na montagem a principal ferramenta para que quem assiste sinta esse processo progressivo de um cineasta que, ao enxergar as pessoas invisíveis para sua sociedade, vai se tornando mais revoltado com ela e mais inquieto em registrar as críticas a partir dos relatos, do que se vê e se escuta, na vivência dos trabalhadores.




 

Nota da crítica:

4/5


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