CPH:DOX 2025 | O Jardineiro, o Budista & o Espião
- Raissa Ferreira
- 24 de mar.
- 3 min de leitura
Håvard Bustnes fundamenta sua trama real de espionagem, mentiras e contradições em um personagem magnético, dependendo de sua permanência para que a obra funcione
Como lidar eticamente com uma fonte e, ao inserir essa pessoa como peça fundamental de sua obra jornalística, como tratar a presença dela? Essas são provavelmente as duas principais questões levantadas quando nas primeiras partes de The Gardener, the Buddhist & the Spy (O Jardineiro, o Budista & o Espião), Rob Moore revela-se alguém com mais controle narrativo nas produções que contam suas histórias do que os próprios criadores. A teia que forma o longa documental é tão complexa quanto os motivos que o fazem existir. O homem que trabalhou, supostamente, como agente duplo tanto alimentando a indústria de asbestos (amianto) com informações sobre grupos ativistas, quanto contra os oligarcas que o pagavam, é quem inicialmente procura o cineasta Håvard Bustnes e dois jornalistas e podcasters, Ceri e Alexi, como forma de contar a sua real história. Bustnes compreende que as duas obras podem coexistir, e transforma seu documentário em uma investigação sobre todo esse processo, usando Ceri como seu procurador para narrar e, de certa forma, conduzir o longa nesse papel de entrevistador e do manejo direto com Moore.
Não é a primeira vez que o diretor encontra um personagem que realize esse trabalho mais frontal dentro de um de seus projetos. Em 2024, no CPH:DOX, Bustnes lançou Phantoms of the Sierra Madre, em que um escritor toma essa frente. É como se uma de suas características fosse perceber quem é a pessoa mais adequada para contar uma história e, caso não seja ele mesmo, assumir o papel de mosca na parede (como ele mesmo diz), se torna a melhor alternativa. No entanto, em O Jardineiro, o Budista & o Espião, é impossível para o diretor estar o tempo todo apenas atrás das câmeras. A forma como a narrativa se complica pelas atitudes de Moore e o desenrolar do podcast, forçam os autores e equipe a estarem sempre em movimento e questionamento, inclusive na frente das câmeras.
O uso ético da fonte é uma das reflexões que podem ser levantadas, por como os jornalistas centralizam em Moore a feitura de suas obras e ainda que duvidem da veracidade dos relatos, mantenham-se extremamente próximos e dependentes do homem enquanto escondem dele a verdade completa sobre suas intenções. Mas, é na fascinante figura deste espião que mora a grande questão e como sua presença é tão magnética que toma para si o controle das obras em vários momentos. Moore era produtor de televisão, com o charme característico da função que, mesmo depois de anos de desemprego em que a jardinagem se tornou sua fonte de renda, não o abandonou. Esse traço de personalidade foi o maior atrativo para sua nova profissão como espião corporativo, o que exigia uma sedução para se infiltrar em determinados grupos. Moore usava como mentira principal a ideia de que estaria fazendo um documentário, ou vários, sobre algum assunto e, assim, podia espionar sem levantar suspeitas.
Foi assim que ele se misturou aos ativistas anti-asbestos e, supostamente, por suas crenças budistas, teria percebido que estava do lado errado e passou a trabalhar para expor os oligarcas que contratavam seus serviços de espião. Toda essa complicação difícil de se acreditar, impossível de se provar e cheia de finas linhas entre o que é verdade e o que é mentira, se tornam mais fascinantes a Bustnes que, embora dê o papel frontal do documentário nas mãos de Ceri, é quem observa as muitas perspectivas e contradições que se empilham ao redor das narrativas. Do podcast ao filme, passando pela vida de Moore, O Jardineiro, o Budista & o Espião talvez seja o que angaria uma visão mais completa e, ainda assim, que pouco consegue compreender ou desvendar. O que é mais interessante de observar no desenvolvimento do documentário é justamente como Moore tenta controlar a narrativa e limpar sua imagem, contar sua história como quer que seja contada e é isso que torna tão complexo o processo de encontrar a verdade.
Quando Moore se incomoda com os desdobramentos do podcast, publicado como Into The Dirt, ele sai de cena, para de atender ligações e de contribuir com Bustnes. Enquanto O Jardineiro, o Budista & o Espião concentra-se nessa figura magnética e manipuladora, sem uma preocupação de a desvendar, mas permitindo que a contradição seja seu fio condutor, é infinitamente mais interessante. No entanto, o que mais enfraquece a obra é como Bustnes se revela tão dependente de Moore, ao ponto de não conseguir pensar sua existência e história sem que ele esteja presente, resultando em muitas telas e textos que indicam que o documentário não encontrou um desfecho, parece ainda inacabado, com ideias soltas por aí.
Esse texto faz parte da cobertura do CPH:DOX Copenhagen International Documentary Film Festival 2025
Nota da crítica:
Commentaires