Brincando com a arte de performar e dissolver realidades, Richard Linklater tece entre a paixão e o cinema um romance delicioso em que vale mais a encenação do que a moral
Uma história que é parcialmente real, com atores de verdade brincando de performar diversas personas, se o cinema sempre foi uma mentira, Richard Linklater compreende o que o faz atraente a nós, espectadores, que compramos as lorotas e por vezes, esquecemos que tudo é encenação. Nessa mesma lógica, apaixonar-se não é também performar para alguém? Tornar-se mais atrativo, compreender o que aquele público tão específico espera de você e vender sua imagem também faz parte das relações humanas. É assim que Gary (Glen Powell) conquista Madison (Adria Arjona), e seus tantos outros clientes, e o casal também nos seduz, em um jogo de atuações que faz a realidade se dissolver, a do próprio assassino de mentirinha com o professor intelectual, e o ator de hollywood com a história verdadeira que inspirou tudo, o roteiro de Linklater e Powell e a imagem que cria outros imaginários em nós. Dos clichês de comédias românticas, o garoto que conhece a garota naquele momento fofo, até os papéis do Noir, o detetive e a femme fatale, Assassino Por Acaso (Hit Man) aproveita o máximo de seu maior potencial, os atores, para construir um romance delicioso de se acreditar. É a química entre Gary e Madison o fundamental combustível para carregar o filme, que ainda que pareça cair em uma espiral de acontecimentos descarrilados, é extremamente controlado, flerta com o espectador para fingir que tudo pode dar errado a qualquer momento, enquanto o protagonista também performa uma confiança fabricada, são máscaras em cima de máscaras para passar essa ideia do acaso quando, na verdade, não tem como nada dar errado. Das emoções aos medos, do sexo ao perigo, tudo é de mentira, é cinema, mas soa tão verdadeiro que apaixona.
A vida do professor e ajudante na polícia local era bem comum até a arte de performar tomar conta da sua rotina. Com a oportunidade de fingir ser algo que não é, um assassino contratado, Gary vê uma possibilidade além, de criar uma infinidade de personas que ele pode ser, buscando em seus espectadores individuais quais seriam as melhores características para atrair suas atenções, mas, mais importante, suas confianças. O homem básico de carro simples que passava despercebido na multidão se transforma em vários homens, adquirindo a postura que apenas a atuação pode trazer, não é de seu interior que vem a força, a ameaça ou o perigo, mas dos personagens que cria, e assim, sua própria personalidade vai se alterando. É bastante simples como o texto expõe sua lógica por meio dos diálogos, na conversa entre Gary e sua ex, por exemplo, o filme dá uma pausa em tudo para explicar como pessoas podem mudar quem são a partir de comportamentos diferentes, uma questão complexa, filosófica e psicológica que se resume no longa de forma leve e divertida para te convidar à trama. Os clientes, então, dão material para o policial/ator construir as imagens que eles esperam ver, reflexos deles mesmos, uma dinâmica fundamental do cinema, de identificação e também idealização, vemos algo com que nos relacionamos mas também maior, melhor, impossível de ser alcançado. O assassino é aquele que tem a coragem que eles não tem, vai mais longe do que o simples espelho e torna a imagem observada pelo espectador um herói. E é justamente por isso que quando encontra Madison as coisas mudam de figura, porque a encenação do professor não se torna apenas para ela, mas também para ele mesmo. A mulher que o assiste lhe devolve essa observação e inicia um jogo em que ambos performam para conquistar, e o criminoso bonitão criado para ela começa então a fazer parte de quem Gary é, ou quer ser, as personalidades se misturam, se dissolvem na realidade - que, na verdade, é apenas um filme bastante controlado.
Assim, passa a importar mais a todos que assistem o romance, que esse casal vende muito bem, a sensualidade, o tesão, os corpos se completando, é tanta paixão que quando Madison olha para o assassino que queria contratar, a gente quase se esquece que aquele olhar não é verdadeiro mas, fabricado para nós. Então, quanto mais longe Gary começa a ir para ficar com essa mulher, até o ponto em que suas atitudes atravessam a moral, pouco importa, da mesma forma que o que Madison fez com seu ex é mais um mero detalhe a ser superado, escondido da polícia, porque o que move a trama e nossa vontade dentro do longa é ver os dois juntos. Se o texto diz “que se foda o normal”, a mensagem geral aqui é quase um que se foda quem entra no caminho desse casal, que se foda a moral, afinal, é tudo encenação, tornar-se melhor ou pior nesse processo de atuar e se apaixonar, tanto faz, o que importa é essa mentira deliciosa performada meticulosamente para nós.
Filme assistido a convite da Diamond Films e Sinny Assessoria e Comunicação
Assassino Por Acaso chega aos cinemas brasileiros no dia 12 de Junho de 2024
Nota da crítica:
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