Crítica - Missão: Impossível - O Acerto Final (2025)
- Raissa Ferreira
- há 4 horas
- 6 min de leitura
Com fé no heroísmo e no cinema feito por humanos, Christopher McQuarrie homenageia a franquia e aposta no sensorial do gênero em mais uma ótima parceria com Tom Cruise
Depois que Christopher McQuarrie assumiu a franquia Missão: Impossível, os filmes passaram a ter uma unidade mais sólida. O que antes parecia uma leitura individual de cada diretor, com suas próprias vozes a cada capítulo, tornou-se uma parceria entre o autor e seu fiel escudeiro, Tom Cruise. Isso permitiu que os roteiros pudessem se acomodar melhor, se conectando de novas formas, e que o personagem marcante Ethan Hunt crescesse junto com outros elementos dos longas. Ter um time que trabalha junto funcionou muito bem e trouxe muitos benefícios à franquia, e essa afirmação serve tanto para o conteúdo dos longas quanto para sua equipe técnica. Cruise e McQuarrie formam o casamento perfeito dentro do cinema de ação e juntos eles passaram a tornar Hunt o exemplo ideal de herói, em que os parceiros depositam suas fés cegamente, mas também extremamente humano, assim como o seu grupo mais próximo de amigos e espiões foi sendo consolidado a cada filme para chegar ao ponto de O Acerto Final.
Ao apresentar o oitavo longa da franquia com um título que indica um encerramento e diversos acenos aos capítulos anteriores para amarrar algumas pontas, lembrar tudo que já foi vivido desde que Brian De Palma trouxe esse grande feito para os cinemas em 1996 e dar uma última olhada em alguns personagens, McQuarrie mais faz uma homenagem à série de filmes, seu histórico e seus fãs, do que efetivamente dá sinais de a fechar. Nada indica que Missão: Impossível - O Acerto Final é um adeus a Ethan Hunt e seu time, tudo nele só torna ainda mais estabelecido o fato de que não há Missão: Impossível sem Cruise e, hoje em dia, muito menos sem McQuarrie. A cruzada da vez, iniciada em Acerto de Contas, é contra a inteligência artificial, a tecnologia que assombra o mundo real e a própria arte. O vilão invisível extremamente atual não poderia ser mais pertinente e O Acerto Final encontra maneiras de tornar o confronto com o virtual algo concreto e angustiante, ao mesmo tempo em que dosa os simplismos narrativos da trama de espionagem com comentários mais interessantes sobre os temas abordados.
Há quem diga que para tal, o filme é extremamente expositivo, um traço que curiosamente está sempre presente nos capítulos liderados por Hunt. Missão: Impossível é uma franquia que mudou muito sua forma enquanto trocava de diretores, mas sempre usou os diálogos como forma de engrossar a complexidade de seus planos ao mesmo tempo em que os tornava de mais fácil digestão ao público. A fórmula não é diferente agora, mas certamente há mais em jogo. Em 2025, é a primeira vez que Ethan Hunt esteve tão próximo de ver o mundo ser realmente destruído e que suas ações foram tão fundamentais para o salvar. Esse conceito até existiu antes, mas nunca foi tão verdadeiro, pois a ideia de um apocalipse mundial era mais abstrata, e, em O Acerto Final, ela não só é apresentada em imagens do que poderia ocorrer, lembrando o que está na mesa, como todas as armas estão preparadas para disparar.
Então, o conceito de fé, que começa a ser apresentado por McQuarrie em Fallout, é ampliado. Hunt é o herói ideal em que todos acreditam e que se sacrificaria por qualquer pessoa, inclusive as que nunca conheceu. Sua moral é tão inquestionável que qualquer um na IMF entregaria a ele o controle da Entidade, a inteligência artificial vilã, mas ele nega qualquer ganância, qualquer poder, ele só quer salvar o mundo. No entanto, se por sete filmes Cruise era o principal ponto de atenção, no oitavo a noção de coletivo ganha algum espaço, seu time se torna tão importante quanto ele mesmo, e os heróis se multiplicam na narrativa. O longa apresenta seus personagens como pessoas de coragem e moral, todos dispostos a tudo para salvar o mundo. Enquanto isso, Gabriel (Esai Morales) é o vilão caricato perfeito.
Com o nome do anjo mensageiro de Deus, o servo da inteligência artificial quer o caos do mundo, mas, mais ainda, quer vencer Hunt. Há muita simplicidade em como McQuarrie e Erik Jendresen escrevem esses personagens, valendo-se dos arquétipos do bem e do mal e deixando que as ações, o desenrolar angustiante da tensão, os segundos cronometrados no relógio e os laços construídos entre cada pessoa retratada, sejam os elementos que realmente são trabalhados com profundidade para capturar a pessoa espectadora. Pouco importa o quão raso é um conflito entre EUA e Rússia, ou como Gabriel parece o vilão de desenho animado sem nenhuma outra nuance, pois em uma sala de cinema cheia, segundos após Grace (Hayley Atwell) usar sua agilidade para salvar o mundo, uma tela preta marca o silêncio e permite que se escute a respiração ansiosa seguida do alívio de centenas de pessoas.
Desde que De Palma transformou o cair de uma gota de suor em uma das cenas mais angustiantes do cinema, Missão: Impossível tornou-se um grande exemplo de como a ação deve-se juntar ao horror, ao melodrama e à pornografia como um gênero do corpo, capaz de provocar uma conexão sensorial com a pessoa espectadora. O Acerto Final segue esse legado da franquia e dá pouquíssimo tempo de respiro a quem o assiste, com uma sequência na água que lembra outro momento trabalhado nos longas, mas dobrando a aposta na tensão. A montagem passa a não depender apenas de Hunt em todas as cenas mais intensas, construindo paralelos com outros personagens para que seus atos heroicos e seus apuros somados, sempre com um relógio presente avisando que o tempo está correndo, sejam ainda mais angustiantes. O ápice da obra, no entanto, ainda é dado a Cruise e sua performance corporal, em uma das sequências mais marcantes da série.
A sensação é que O Acerto Final está longe de ser um encerramento, mas é uma forma de abrir mais espaço ao time da IMF, destacando Hunt como uma espécie de escolhido divino, mas que jamais poderia ser o herói que é sem seu time e aliados. Até por isso, qualquer interesse romântico que seria levantado com Grace, se dissipa ao sempre estabelecer a personagem como peça fundamental de todos os planos, com afeto físico similar ao de Benji (Simon Pegg) com seu melhor amigo. Essa construção que vem desde o sétimo longa, humanizando cada vez mais cada personagem e intensificando os laços de amizade entre eles, permite que eles protagonizem seus próprios momentos de heroísmo. Grace não é reduzida à mulher que pode ter um caso com o protagonista, tem seu papel verdadeiro.
Fascinantemente, Missão: Impossível - O Acerto Final divide sua narrativa entre a crítica à inteligência artificial, algo tecnológico e um tanto abstrato, e uma influência ainda mais imaterial, a do destino divino. A religião está presente em todo o texto, assim como a fé, que não é em Deus, mas nas pessoas, nos amigos e em suas lealdades. A todo momento, o time da IMF está separado, mas agindo simultaneamente, sem saber, sem ver o que seus parceiros estão fazendo, dependendo totalmente de suas ações e seguindo pela crença neles e em um resultado favorável. Esse sentimento foi constantemente depositado em Hunt ao longo da franquia e agora é dividido com seus aliados de forma mais interessante.
Assim, a dupla que faz cinema de ação como poucos atualmente, apresenta a tecnologia como recurso (máscaras, dispositivos e trajes) ou ameaça (a inteligência artificial fora de controle), enquanto só as pessoas podem verdadeiramente criar, salvar, sentir e provocar sentimentos. São ações concretas, e humanas, que fazem o plano efetivamente girar, mas ainda há espaço em O Acerto Final para demonstrações do acaso, ou talvez do divino, resolverem (ou levantarem) algumas pontas soltas. Uma arma que falha no momento mais necessário e uma queda de cabeça em um avião são momentos tão improváveis quanto sobreviver no mar congelado ou salvar o mundo no intervalo de um piscar de olhos. Se este é o último capítulo ou não, resta aos apaixonados que chegaram até o oitavo filme a fé em Christopher McQuarrie e na dedicação de Tom Cruise com o cinema que produz, que vem tão fácil quanto a crença no herói que o cinema genérico de bonecos nunca será capaz de entregar, Ethan Hunt.
Nota da crítica:
4.5/5
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