Entregando a condução da narrativa para sua protagonista, documentário de Simon Klose engata a partir da energia do jornalismo investigativo
Hacking Hate é um daqueles filmes em que o objeto principal da observação é tão grande e importante, que a direção parece mais pertencente a My Vingren, a jornalista que conduz tudo aqui, do que ao próprio Simon Klose. Conhecida como a “Girl with the Dragon Tattoo” da vida real (com base na série de livros suecos que posteriormente foi adaptada ao cinema), a mulher ruiva que está em praticamente todas as cenas do documentário é, a princípio, o que inspira a narrativa, por seu trabalho investigando e expondo grupos nazistas, fascistas, racistas e afins, na internet. Porém, é a própria My Vingren o objeto do filme e a partir de sua figura e atuação se desenrola o restante, muito potencializado pela energia desse jornalismo investigativo, desde a criação de perfis falsos usando a manipulação de seu próprio rosto, até cada revelação desse suposto agente secreto Russo que recruta pessoas online. Não fosse a capacidade dessa mulher de se infiltrar e fazer descobertas, grande parte do documentário seria apenas um segmento protocolar de streaming sobre um assunto bastante pertinente e atual, mas sem grandes impactos, assim, ela se torna peça tão fundamental da obra, objeto de observação, quanto condutora, sendo fácil esquecer nas cenas menos fabricadas de entrevistas que não é ela mesma que idealiza, filma e monta aquilo tudo.
Existem então dois caminhos que se traçam em Hacking Hate. O primeiro, da coragem de My Vingren em colocar seu rosto e forma de operar em tela, se expondo ao mundo a partir do filme, mesmo sabendo de todas as ameaças e perigos que já enfrentou por seu trabalho. Passa-se então por seu lado como mãe no meio disso tudo, suas motivações pessoais e personalidade em relação a sua forma de investigar e acessar esses grupos de ódio. O outro é uma comoção geral com o estado atual das coisas, como a internet é cada vez mais um território perigoso que ameaça vidas, democracias e o progresso da sociedade, observando que o nazismo não só nunca acabou, como segue vivíssimo e nem tão escondido, por conta das redes sociais e grupos em aplicativos de comunicação. É a partir do primeiro ponto que o segundo se desenrola, porque ainda que tudo isso exista, o filme utiliza a jornalista investigativa quase como uma arqueóloga que desenterra e joga luz nesses fatos, mesmo que já sejam conhecidos e pesquisados em outros campos, por outros olhos, há muito tempo. Não é novidade, na verdade, mas como a obra de Simon Klose apresenta faz, de alguma forma, parecer ser. É também nesse caminho que o diretor usa My Vingren como entrevistadora para inserir outra personagem, Anika Collier Navaroli, que trabalhou no Twitter e Twitch, foi responsável pelo bloqueio do perfil de Donald Trump e expôs as plataformas por suas responsabilidades em violências offline e atentados à democracia.
Suas histórias talvez se entrelacem nos mesmos pontos realmente, mas talvez existam narrativas separadas que poderiam ser contadas e Hacking Hate tenta as unir de forma que My Vingren é quem investiga os grupos de ódio, suas existências e forma de operar e Anika é inserida para construir a ponta que responsabiliza as redes sociais e plataformas, como o Google, por lucrarem com e motivarem suas ações. Mas, como a jornalista é o ponto principal e condutora do documentário, Anika parece uma colaboradora que teria muito mais a acrescentar, mas em um palco que não é seu. Falta o espaço necessário para desenvolver acerca de suas informações e trabalho e o filme realmente engata e suga a atenção sempre que se volta à investigação, cada descoberta de My Vingren operando em seu celular, computador e conversando com seus colegas e fontes. Então as conversas com Anika não avançam nesse lugar, servem como um complemento a outras questões que fazem parte desse universo, mas não parecem o objetivo principal da protagonista.
Essas costuras nem sempre bem definidas deixam a estrutura um tanto fragmentada, mas não prejudicam o todo do efeito pessimista e assustador que se dá a cada conclusão. Hacking Hate é daqueles filmes que nos faz perder qualquer resquício de fé na humanidade, seja ridicularizando os influenciadores investigados, ou olhando com horror para as mensagens e atos violentos que se dão a partir das observações. O futuro é como a resposta que Anika dá, não parece nada bom.
Nota da crítica:
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