top of page
Foto do escritorRaissa Ferreira

Tribeca 2024 | Under the Grey Sky

Denunciando os abusos do governo autoritário da Bielorrússia, Mara Tamkovich utiliza um caso real para dar luz a uma crise em andamento

Under the Grey Sky

Uma simples busca na internet revela quantos jornalistas foram presos nos últimos anos em Belarus, mulheres e homens condenados por incitar revoltas e cometer atos de terrorismo com suas transmissões de protestos e contestações às atitudes autoritárias de Alexander Lukashenko. Apesar disso, seria mentira dizer que essas notícias fazem parte do nosso cotidiano, que chegam até nós com a mesma facilidade que outras problemáticas enfrentadas por diferentes nações. Se faz importante, portanto, o trabalho de Mara Tamkovich, cineasta Polonesa, que realiza com Under the Grey Sky o primeiro filme sobre os protestos de 2020 na Bielorrússia, em resposta à reeleição de Lukashenko, marcada por acusações de fraude. Tamkovich, então, não olha para o passado, não faz um retrato distante de uma ditadura já superada, as ações aqui colocadas estão em andamento, a prisão da jornalista retratada em seu longa segue em progresso e enquanto isso, só no final do ano passado eram mais de 60 os profissionais da imprensa detidos entre a Rússia e Belarus. Dizer que um filme é importante por seu teor político não atesta sua qualidade, embora essa seja uma leitura bastante comum atualmente, principalmente quando a indústria estadunidense aproveita pautas de interesse de seu governo para dar palco em premiações a filmes independentemente de serem bons. Fosse uma obra sobre Israel ou Ucrânia, provavelmente Under the Grey Sky teria seu espaço garantido em alguns lugares de destaque, mas ter sua vitrine em Tribeca é certamente uma forma de levar as notícias que não chegam em massa em nossas televisões e celulares até uma parcela interessante do mundo. 


Porém, mais importante que toda essa análise do que vem junto com o filme, dentro dele está um retrato angustiante sobre um terror que permanece oculto. A introdução se apega a uma visão mais próxima a Lena (Aliaksandra Vaitsekhovich), que representa a jornalista da vida real, Katsiaryna Andreyeva, passando por sequências enclausuradas no apartamento enquanto os protestos ocorrem logo ao lado, captados por sua colega e câmera, também condenada posteriormente. A ação desse jornalismo político se dá como algo clandestino, e a angústia aumenta à medida que as ferramentas da polícia se aproximam, primeiro o drone e depois as batidas nas portas, deixando claro que não há como escapar, Lena será capturada e todas as pessoas ali vão se aterrorizando com esse fato. O ponto de vista é entregue rapidamente a Ilya (Valentin Novopolskij) quando a repressão está prestes a acontecer diante de nossos olhos, e, a partir de então, é o marido dela que conduz a narrativa. A escolha de Mara Tamkovich é de não adentrar as torturas e denunciar o que ocorre dentro do encarceramento, mas buscar as problemáticas políticas e burocráticas desse sistema opressivo, a violência é mais uma ideia, um temor que se esconde atrás das grossas paredes e portões impostos pelo regime, do que algo a ser explorado imageticamente. Assim, Lena é o que move a história mas pouco aparece, sua ausência é condutora, existe muita força no fato dela simplesmente não estar em tela, o que é combustível para o desespero de Ilya e de quem assiste. É absurdo que sua transmissão ao vivo de um protesto se transforme em uma prisão, então se torna pior ainda quando após os 7 dias informados a sua advogada não resultam em sua liberdade, e estes viram 2 anos que poderiam ser 15, mas se fecham em uma condenação de 8 anos, que ainda acontece. 


Essa sucessão de aumento de penas, ameaças e brigas inúteis com a justiça, colocam o espectador de cara com a mesma parede que Ilya está, o marido é impotente perante o sistema, se recusa a fugir e até quando ele mesmo é preso, essa visão de dentro é removida. Interessa à diretora polonesa esse olhar angustiante de não saber se quem entrou naquela estrutura rígida sairá pelos portões, se os ameaçadores portadores de câmeras e microfones um dia verão a liberdade por terem ousado exercerem suas profissões. Embora Lena fique oculta do longa nesse propósito, sendo mais utilizada em flashbacks que remontam como ela chegou até o fatídico evento, é quando tenta aceitar um acordo com o governo para admitir uma culpa fabricada e pedir desculpas por seus atos, que a atriz resume toda a força e integridade da mulher que representa. Lena é incapaz de fazer o que alguns compreensivelmente fizeram na vida real para terem paz e liberdade, seu corpo parece lutar contra a verdade entalada na garganta, a dinâmica da cena se dá entre ela e o marido, partilhando olhares que compreendem aos poucos que essa alternativa não será possível para eles. Os guardas, oficiais e figuras de autoridade são sempre escondidos pela encenação, se dão como peças que exercem força e medo, sem rosto, só uniformes pretos e armas. 


O céu é realmente cinza, lavando a fotografia de Under the Grey Sky de forma que nenhuma cor mais vibrante tenha chance de aparecer, preenchendo de tristeza e opressão a história dessas pessoas. Mara Tamkovich não precisa escancarar a violência física para pontuar os absurdos desse regime, é possível sentir a cada momento um cerco fechado, uma mão pesada apertando, sufocando, deixando todos sem alternativa. O longa não apenas serve como denúncia por seus fatos retratados, mas pela forma como faz. A guerra é hoje, o autoritarismo é agora, a mídia está atrás das grades e isso não é um relato antigo, mas muito atual. É essa urgência do momento, fechada com as imagens reais de Katsiaryna Andreyeva, que fazem deste filme algo mais do que um rótulo que atesta sua necessidade, mas uma boa peça de cinema político.



 

Nota da crítica:

3,5/5


autor

Comments


bottom of page