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Tribeca 2025 | Gonzo Girl

Patricia Arquette estreia na direção de longas adentrando a mente de um gênio tóxico pela perspectiva da mulher engolida por seu universo

Gonzo Girl review

A câmera rapidamente encontra Willem Dafoe em um lugar de destaque, com uma forte luz o exibindo enquanto seu personagem fala de maneira exagerada, com um jeitão fácil de identificar e, em seguida, Camila Morrone aparece quase apagada, com suas roupas neutras, franja no rosto e na baixa luz da plateia. As primeiras cenas de Gonzo Girl já determinam quem é a estrela e quem está nas sombras. Em pouco tempo Alley Russo se desloca de Nova York até a ensolarada Aspen no Colorado com sua postura e seu visual destoando ainda mais do ambiente ao redor. São os anos 90, mas poderiam ser os 70, década em que Hunter S. Thompson publicou seu famoso Medo e Delírio em Las Vegas, e o personagem inspirado nesse conhecido jornalista e escritor vive seus dias entre drogas, drogas e mais drogas. 


Patricia Arquette estreia na direção de longas, seguindo uma onda de diversos atores que enfrentaram o mesmo desafio recentemente, com uma obra que carrega tanto da vida real quanto de alguns clichês de filmes que exploram personas geniais e criativas. Então, embora Alley seja sua protagonista, baseada na temporariamente assistente de Thompson, Cheryl Della Pietra, Walker Reade é sempre um personagem mais interessante, seja por sua excentricidade ou pela performance que é um prato cheio para Dafoe.


Tanto Alley quanto a assistente mais velha, Claudia (vivida pela própria Arquette), são as mulheres que atuam na manutenção da inspiração do artista, Reade, mas também agem de forma a traduzir seus pensamentos e facilitar transformá-los em algo concreto. Enquanto o escritor só quer passar seu tempo usando drogas, fazendo festas ou passeando pela cidade drogado, cabe a Alley captar seus pensamentos, o manter estimulado e garantir que algumas páginas sejam escritas durante a noite. São as mulheres que fazem o artista ser produtivo e, nesse processo, são sugadas para seu universo.


Depois que a jovem protagonista chega ao Colorado, Gonzo Girl vai dialogar muito com os filmes inspirados nas obras de Thompson, dedicando diversas cenas às viagens e delírios de Alley e Reade. As roupas da mulher mudam, seu cabelo fica levemente diferente, a sombra e a sobriedade que a acompanhavam são substituídas pela energia que o escritor projeta na assistente. O filme passa a explorar o visual e o corpo de Morrone de outras maneiras, trazendo sua sexualidade para o primeiro plano. 


Em uma comparação mais engraçada, é como Anne Hathaway em O Diabo Veste Prada (Morrone está extremamente parecida com ela neste filme), se Miranda Priestly fosse uma artista hippie viciada em cocaína. Na verdade, a relação de poder entre um chefe tóxico e uma cultura de idealização de profissionais bem sucedidos que sugam a vida daqueles que trabalham para eles está bem próxima desse paralelo um tanto peculiar, mas algo fundamental em Gonzo Girl é o gênero dos personagens. Alley não é somente muito jovem, principalmente em comparação a Reade, mas é uma mulher, o que a torna a ponta mais fraca nessa dinâmica predatória. 


Enquanto Claudia é como uma figura materna, a assistente mais velha e cansada, Alley está próxima em idade e visual da namorada do escritor. A jovem que começa estudando o lugar e seus personagens, anotando acontecimentos e aproveitando toda oportunidade para escrever e desenvolver suas habilidades, logo se transforma também em uma personagem de Reade. É fatal, então, que quanto mais Alley mergulha no universo dominado pelo jornalista, seu destino seja ir se apagando novamente, pois o holofote nunca foi dela. Embora Gonzo Girl parta de sua perspectiva, em sua visão é Reade o personagem principal, enquanto ela é a garota cuja vida foi marcada para sempre pelos meses em que dividiu com ele. É difícil competir com Dafoe, ainda mais em um papel como esse, e Morrone certamente não consegue, ou não tem espaço, para dar mais vigor à sua personagem.


Arquette não vilaniza Reade ou vitimiza Alley nesse processo, mas os retrata como seres complexos, vinculados a aquilo que produzem e ao meio em que estão inseridos. O escritor é tanto um gênio quanto um homem terrível, tanto ameaçador quanto o mentor que faz notas encorajando o trabalho de sua aprendiz. A jovem sedenta por uma oportunidade de aprendizado é engolida pelo ambiente hostil e pela mente caótica do jornalista, mas enxerga sua jornada como um marco tão violento quanto parte de seu amadurecimento. 


É discutível o quanto a protagonista feminina é prejudicada por essas escolhas, principalmente em uma narrativa em que o gênero é tão relevante no jogo de poder. Mulheres se tornam notas de rodapé na carreira de um artista, e Gonzo Girl certamente não é uma tentativa de retomar esse protagonismo. 



Nota da crítica:

3/5


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