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Tribeca 2025 | Re-Creation

Jim Sheridan e David Merriman imaginam uma sala de júri a partir de um caso real, usando debate patético entre homens e mulheres como base

re-creation tribeca review

Por cerca de três minutos, as cenas de Re-Creation são usadas apenas como fundo de um longo texto explicativo. O assassinato da francesa Sophie Toscan Du Plantier em 1996 na Irlanda é a base do longa de ficção de Jim Sheridan e David Merriman e uma das últimas frases exibidas antes dos atores assumirem a narrativa promete que a obra é uma imaginação de como teria sido um julgamento do principal suspeito do crime, o jornalista Ian Bailey, caso o governo local tivesse aceitado os testemunhos da época para acusar o homem. O que ocorre, na verdade, é uma inspiração em 12 Homens e Uma Sentença, que também lembrará o muito mais recente Jurado N°2, em que a totalidade do longa se passa a partir das deliberações do júri, seus pensamentos, questionamentos e delírios quanto ao caso. O tribunal em si é passado rapidamente nas primeiras cenas, assim como detalhes são apenas expostos por diálogos entre os jurados, caindo em uma espiral que pode fazer qualquer um assistindo se questionar qual era o real objetivo desse filme.


Com até mesmo uma imagem de Sophie morta no canto da estrada, devidamente embaçada, a abertura de Re-Creation se dedica a dizer muitas coisas, pode-se atestar até mesmo que a introdução aponta a culpa de Ian Bailey por como apresenta os fatos, mas o que pouco faz é se aprofundar no ocorrido. Seria papel do restante do longa, então, detalhar o que a vítima passou, supostamente, onde estava, como foi encontrada e por aí vai, visto que a promessa feita pelo próprio filme é a de imaginar como seria um julgamento do caso. No entanto, como a pessoa espectadora é praticamente jogada diretamente na sala do júri, informações pertinentes ao processo são claramente já conhecidas pelos jurados e debatidas por eles dessa mesma forma. Os próprios diretores, que também são roteiristas da obra, afirmam nos textos iniciais que tiveram acesso a todo material do caso para elaborar Re-Creation, mas é pouco do interesse deles, ao que parece, compartilhar isso com o público, dedicando-se mais ao que seria a interação entre 12 pessoas da europa com acesso aos mesmos materiais.


Vicky Krieps, a oitava jurada, sem nome como todos os outros, serve como a peça que levanta a dúvida, e que tem descrença no sistema de justiça. Enquanto os outros 11 presentes, divididos igualmente entre homens e mulheres, votam que o réu é culpado rapidamente, ela tem questionamentos, não se sente segura em condenar um homem a morrer na prisão com as evidências que possui. A partir disso, como é costumeiro nesse tipo de filme, os jurados passam a discutir até que outros comecem a perder suas certezas também. Re-Creation aposta, então, no gênero, entre o masculino e o feminino, para fundamentar todos os seus argumentos. Primeiro de forma mais sutil, podendo-se perceber que nas cenas os atores que mais falam são os homens, enquanto as mulheres pouco dizem, com exceção de Krieps. Depois, a intenção vai se acentuando, até perder o rumo de vez.


Um jurado específico é o primeiro a mostrar uma face agressiva, sempre gritando e respondendo de forma inflamada a todos. Esse homem tem muita certeza da culpa do jornalista e se incomoda fortemente com o furor causado pela jurada número 8, que alonga o tempo de todos longe de suas vidas e ainda tem a chance de inocentar alguém que ele considera extremamente perigoso. Curiosamente, Re-Creation coloca os jurados homens como essas figuras caricatas e passionais, berrando com mulheres mas, ironicamente, nervosos porque querem justiça para uma vítima feminina. Do outro lado, mulheres mais passivas, questionadoras e racionais, defendem a probabilidade de inocência de um homem com histórico abusivo. 


A fragilidade do discurso de Re-Creation vai se tornando mais evidente enquanto o roteiro passa a jogar frases de efeito sobre o debate entre os gêneros e a direção passa a pontuar uma atuação cada vez mais exagerada de seus personagens. Gritos, choros, todo tipo de desabafo e epifanias vão sendo colocados na mesa, enquanto o longa divide suas cenas entre a sala do júri, por boa parte do tempo, e o restante com imagens de arquivo, inserções de paisagens, cenas de oficiais que monitoram o julgamento e a representação silenciosa e pacífica de Ian Bailey. Em dado momento, uma jurada diz sentir a presença do espírito de Sophie e a essa altura as informações do caso já parecem totalmente perdidas nesse delírio de embate entre gêneros que assustadoramente caminha até um esforço que é facilmente presumido como uma maneira que o longa encontrou de inocentar o réu, pela forma em que o debate é guiado e por como a imagem de Bailey é mostrada.


Aos poucos, todos os jurados passam a ter dúvidas, a partir de uma cadeia iniciada com Krieps. Os diálogos vão se tornando mais absurdos e o jurado número 1, um velho senhor que é a parte mais ponderada, inicia uma reencenação da noite em que Sophie foi assassinada. Mais fatos e evidências são apresentados de forma bagunçada à pessoa espectadora enquanto os jurados passam por uma espécie de terapia coletiva por conta do caso. 


Totalmente desconexo com sua promessa inicial, Re-Creation não abre margem para que quem assiste tire suas próprias conclusões, como diz sua sinopse. Afinal, todo aquele material que os diretores dizem que tiveram acesso parece ter sido usado unicamente como recurso para elaboração de um delírio extremamente mal embasado que busca se justificar em um debate de gêneros frágil e risível, sem prover a quem assiste algum fato que seja sobre o caso. Intencionalmente ou não, Jim Sheridan e David Merriman criam uma atmosfera bizarra e deixam uma imagem bastante inocente de Bailey, cujo falecimento em 2024 deve ter sido motivador para a criação do filme, algo também retratado nas últimas cenas.




Nota da crítica:

1.5/5


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