Visions du Réel 2025 | Paul
- Raissa Ferreira
- 22 de abr.
- 4 min de leitura
Denis Côté faz retrato único e acolhedor da jornada de um homem contra a ansiedade e em busca de autoestima por meio do fetiche da submissão
Em filmagens silenciosas que prezam pelo som dos ambientes, Denis Côté apresenta Paul, o personagem que divide sua vida ao longo deste documentário. A forma como isso é feito, parece absorver a timidez do homem e sua maneira de se relacionar com o mundo. Em busca de autoestima e para combater sua ansiedade social, Paul encontra no fetiche de submissão e nos vídeos de tiktok, jeitos de sair de sua casca e atingir o prazer de viver. Com roupas largas, quase sempre uma camiseta com o nome de seu canal e redes sociais, Cleaning Simp, ele fala baixo e tem uma atitude mais passiva em geral. Divide seus dias entre faxinas nas casas de mulheres dominatrix, que além de darem ordem sobre a limpeza, também fazem sessões fetichistas ao final, e os vídeos de tiktok que grava sobre como suas atividades o ajudam a se sentir melhor sobre si mesmo e ter atitudes mais positivas. Côté filma com muito respeito e sem julgamento, jamais pintando um retrato de peculiaridade do que registra, pelo contrário, vê-se até uma boa evolução em Paul do começo até o fim do filme que leva seu nome.
Se o mundo ainda vê com grande tabu os fetiches em geral, esse documentário não busca objetivamente desmistificar eles, mas apresentá-los de uma forma bem diferente do esperado, como uma ferramenta na busca por autoconhecimento. Afinal, todo ser humano está tentando viver da melhor forma que consegue e tentando ser feliz. Para Paul, essa missão parece cheia de obstáculos, um homem obeso, tímido, com ansiedades demais e uma família que espera dele um casamento tradicional com uma mulher asiática e calma, em suas palavras. Vencer tais sentimentos, para esse homem, é um processo de os enfrentar radicalmente, já que enquanto uma pessoa com ansiedade social e timidez, ele gosta de ser dominado por mulheres fortes, submetido a ser um escravo, apanhar e receber ordens. E, nesse mesmo sentido, ele escolhe expor sua rotina de faxinas na internet, com vídeos que mostram seu corpo e suas atividades para milhares de pessoas.
Côté entra, então, nas casas das mulheres que dominam Paul, respeitando seus limites. Algumas não aparecem e tem as vozes distorcidas, outras orgulhosamente se exibem como dominatrix. A dinâmica da faxina parece importar, mas menos do que o que vem logo depois, a sessão em que muitas vezes Paul fica no chão enquanto apanha, recebe ordens, ou simplesmente serve de apoio para os pés. Não há nada ativamente sexual no que acontece, é tudo sobre poder e dominação, e o protagonista deste filme atinge o prazer e a felicidade que busca nesses encontros, ao ser submisso nessa dinâmica. Ele até mesmo diz, em dado momento, que não se interessa apenas em limpar a casa de uma mulher que não queira o dominar, que deseje apenas ser sua amiga.
Aí está outro ponto interessante, Paul passa tanto tempo com o homem que começa a criar certa intimidade, mesmo que o registro tome certa distância. Aos poucos, vê-se como Paul cria conexões com as mulheres, conversa com algumas sobre si mesmo e, como outras passam deveres de casa para ele, muitas vezes sobre sua dieta e exercícios físicos. É curioso ver como a lógica da dominação funciona para ele, especificamente, impulsionando de fato seu bem-estar. Côté não pretende que seu longa seja um registro sobre fetiches em geral, ou sobre a dominação e submissão, mas muito particularmente sobre como Paul encontra satisfação e autoestima por meio dessas práticas. Um retrato individual, que até mesmo como é mostrado em um chat do protagonista com outra mulher, é mais sobre estar em cima do muro do BDSM, sem se identificar propriamente com tudo nesse meio.
Paul vai ganhando muito espaço e carisma ao longo do filme, tornando-se um personagem adorável a cada nova cena. Os encontros com as mulheres parecem o ajudar a focar nas atividades físicas, perder peso, cuidar de si mesmo, se alimentar melhor e vencer algumas ansiedades, como sair de casa e enfrentar interações sociais. Em alguns momentos, ele sente desconforto e acaba lidando com tudo isso dentro do documentário. Mas nada ocorre diretamente com a câmera ou com a equipe, e sim em interações que Paul tem com outras pessoas, na internet, ou em seus próprios vídeos. Assim, a câmera dá espaço, valendo-se do zoom e de frestas de portas, para se aproximar sem interferir, bem como o som valoriza a realidade dos ambientes, captando como um visitante silencioso, de fato, o íntimo dessa rotina.
Paul acaba sendo um retrato bem cuidadoso sobre como as pessoas enfrentam a solidão e os grandes males contemporâneos, entre o mundo digital da exposição e a vida particular de contato físico direto, por meio de uma visão muito única. Sempre respeitando seu protagonista, o filme pega emprestada sua vivência para analisar, deixando julgamentos de fora, a inevitável jornada humana de buscar felicidade e aceitação, abrindo as possibilidades para mundos que, talvez, poucos tenham imaginado.
Esse texto faz parte da cobertura do Visions du Réel 2025 - Festival Internacional de Cinema de Nyon
Nota da crítica:
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