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A Bruxa (2015)

Foto do escritor: Raissa FerreiraRaissa Ferreira

A Bruxa mistura o horror das figuras criadas na caça às bruxas da Europa com um drama familiar de opressão e fanatismo religioso.

a bruxa

No novo mundo, a família de Thomasin é expulsa da comunidade em que vivia. Desde o princípio e em toda a duração do filme, os diálogos destacam um sentimento de não pertencimento desses personagens e uma saudade de casa, da Inglaterra. A exclusão dessa comunidade é o acontecimento chave para a família se tornar ainda mais isolada e afastada de suas raízes. Obrigados a se virarem e viverem sozinhos no meio da floresta, o núcleo familiar liderado pelo patriarca tem que lidar com a opressão religiosa que os ronda moralmente e a natureza em que vivem. Aqui, a floresta é retratada de forma mística, quase como uma ameaça sombria. Podemos perceber isso facilmente assim que os personagens chegam ao local onde será sua nova casa, a família é praticamente oprimida, na imagem, pela floresta, que com a aproximação visual e a trilha sonora se torna um lugar misterioso e assustador. Além disso, a plantação de milho da fazenda vai de mal a pior e os animais ou morrem, ou sangram em suas mãos ou se rebelam, como se a natureza estivesse contra eles, afinal, quem vivia em comunhão com a natureza eram as bruxas, reza a lenda.


A religião da família é um ponto crucial para a trama, além de ser o motivo para seu isolamento da comunidade. Todos os personagens seguem uma fé cega, principalmente vinda do pai, vivendo com uma visão horrível de um mundo de punição e castigo onde devem temer Deus e constantemente se desculparem até pelos pecados que não tiveram intenção de cometer, pois nasceram do pecado e vivem nele. Considerando essas crenças, tudo que acontece ao longo do filme até parece ser uma penitência, até porque, em inúmeros momentos, todos os personagens mentem uns aos outros, contrariando sua moral.


Para a atmosfera de horror centrada na bruxa da floresta, o filme não faz rodeios e não usa do mistério daquilo que não é visto ou do que ainda será descoberto. Logo de cara, assim que o bebê Sam desaparece já nos é revelado imediatamente a existência assustadora e ameaçadora da bruxa. Tudo é mostrado, usando principalmente imagens e trilha sonora, sem diálogos, já que a bruxa mal é uma personagem no longa e sim mais uma criatura mística. De qualquer forma, fica claro que ela é real, matou o bebê e se banhou com seu sangue. O longa segue aqui as ideias implantadas pela igreja na Europa durante a caça às bruxas, que estava ainda em seu ápice no ano retratado, de que as bruxas eram mulheres com intimidade com a natureza e que matavam crianças, pensamentos aliados ao controle de corpos e reprodução, mas isso já é uma história maior.


Thomasin, que carrega o pecado até em seu nome, é o centro da narrativa. Ainda jovem, mas se tornando uma mulher, seu corpo é notado pelo irmão, causando confusão no menino. Sua mãe a culpa e a trata de forma fria, até rude e em certo momento os pais pensam em entregar ela a outra família. Aqui, a figura feminina é um retrato de uma construção que começou séculos atrás no mundo real, uma ameaça, um corpo que desperta o pecado, uma natureza que deve ser contida, controlada. Na construção de Thomasin de filha obediente até se tornar bruxa, o filme usa o isolamento da personagem para construir aos poucos uma narrativa que a deixa sem opções, culminando num desfecho inevitável. Thomasin é usada como força de trabalho na casa, ela não é vista como uma filha amada e sim como uma utilidade e um problema, alguém para realizar tarefas, ser culpada quando algo dá errado e uma fonte de pecados. Por isso, acredito que a morte da mãe por suas mãos é um momento chave para o amadurecimento final da jovem, assim como o momento em que responde seu pai e o chama de hipócrita. Essa mãe, que rivalizava com ela e a culpava de tantos pecados mas que ainda assim era sua figura materna, de quem ela esperava admiração e orgulho. Quando a mãe a ataca pela última vez, ela enfim reage.


Nesse contexto, é interessante observar a mudança em Thomasin, que no início do filme tem um olhar inocente, em uma das primeiras sequências é retratada numa imagem que por si só já a oprime, de joelhos, olhando para cima, com os cabelos cobertos e roupas bem fechadas em uma cena com cores frias, tão frias quanto seu relacionamento familiar.Já no final, Thomasin está nua, de cabelos soltos, com a luz do fogo a iluminando enquanto ela ri e é elevada, flutuando no ar, perto do céu, livre da opressão e do isolamento em que vivia. Depois de assinar seu nome e caminhar para a floresta, Thomasin encontra outras mulheres, outras bruxas e é nessa comunidade bizarra que ela talvez, finalmente, se sinta livre.

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