Baseado em uma história real, o filme de Jean-Paul Salomé foca nas batalhas jurídicas e mostra como é fácil transformar uma vítima em suspeita
Ainda que A Sindicalista faça questão de já abrir com o crime que será central no longa, quando a narrativa volta no tempo para contar um pouco a história de Maureen Kearney (Isabelle Huppert) o filme soa quase como uma obra de jornalismo investigativo - e também foi inspirado em um livro escrito pela jornalista Caroline Michel-Aguirre - colocando Maureen como a peça que revela os fatos e expõe os desvios de pessoas poderosas. Mas, ao encontrar novamente seu ponto de partida, a obra se volta completamente para o caso e a luta da mulher para provar que não está mentindo. Dessa forma, o diretor apenas nos contextualiza sobre o trabalho de Maureen, já que seu verdadeiro interesse é nessa desconstrução de vítima até suspeita. Pontuando sempre o machismo que cerca a representante sindical e sua colega de trabalho, o filme parece querer usar o caso para expor como é fácil desacreditar uma vítima, principalmente uma mulher que foi estuprada, constantemente destacando as diferenças entre homens e mulheres nos espaços. Seja filmando os homens de forma a os engrandecer por suas posições de poder, olhando Maureen de cima para baixo, ou no ódio que os personagens masculinos jogam nela - por vezes de forma quase caricata - a questão trabalhista parece ser o menor dos problemas aqui, apontando a diferença de gênero como a maior problemática.
Ao optar por não mostrar o que realmente aconteceu com Maureen, pelo menos até dado momento do filme, o diretor reforça seu ponto. Enquanto os investigadores refutam pequenos pedaços do depoimento da mulher, sobram pontas soltas e olhares de dúvida entre os personagens. Como não é dado ao espectador de início o ocorrido, fica fácil duvidar também de algumas evidências, embora o filme jamais desacredite Maureen. Assim, Jean-Paul Salomé escancara como o sistema desacredita facilmente as vítimas de estupro, buscando os mínimos detalhes de inconsistências e as tornando mentirosas que inventam histórias para chamar atenção. Mas, para deixar bem claro seu juízo de valor, o longa abre para o espectador os fatos ocorridos, respeitando um distanciamento das violências sofridas por Maureen, mas sendo suficiente para dizer o que é verdade e o que é mentira. Nessa jornada para provar sua inocência, os 50 mil empregos que a representante sindical buscava salvar lá no começo se tornam apenas uma história de fundo, pincelada ao final em textos na tela. É curioso que a narrativa seja tão focada nessa investigação por quase uma hora para depois mudar tanto seu tom, já que o objetivo principal sempre foi relatar os abusos emocionais que a sindicalista sofreu ao ser desacreditada diversas vezes.
Dentro desse quase filme de tribunal que se torna, A Sindicalista se concentra na relação de julgamento mais próxima de Maureen: família, polícia, juízes e espectador, não se importando em espetacularizar o caso e mostrar uma reação pública. Os tribunais são pequenos, quase sempre são poucas pessoas que a cercam e em raros momentos um jornal ou outra mídia aparece, sentimos que existe essa pressão muito maior, mas os olhares do filme estão focados em nossa relação com ela, em como é possível gerar dúvidas, em mostrar a verdade e acompanhar lado a lado a luta de Maureen. Ainda que muitas vezes todos sejam cruéis demais com a mulher, Isabelle Huppert segura uma protagonista que se esforça para ser forte a todo momento, um rocha para enfrentar o sistema, fato que também é usado contra ela na antiga ideia da “vítima perfeita” e como ela deveria se portar.
No geral, falta alguma inspiração em Jean-Paul Salomé para criar algo mais autêntico e que não pareça seguir protocolos, falta força para contar algo tão duro. A própria história se destaca muito, só que mais pelos fatos relatados e tudo aquilo que fica em segundo plano do que pela forma que o diretor escolhe contar. Talvez o ponto mais interessante em tudo isso seja como ele brinca com algumas ambiguidades para implantar dúvidas e expor um sistema que desacredita tantas mulheres além de Maureen, mas ainda é um tanto morno.
Filme assistido a convite da Atômica e Synapse Distribution
A Sindicalista chegou aos cinemas em 29 de Junho
Nota da crítica:
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