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Foto do escritorRaissa Ferreira

Batem à Porta (2023) | A escolha de acreditar

Shyamalan retorna suas temáticas habituais para propor uma escolha impossível e uma dúvida antiga sobre a salvação da humanidade



A premissa absurda de Batem à Porta nos joga rapidamente para o mesmo lugar confuso e cheio de dúvidas de Eric (Jonathan Groff), Andrew (Ben Aldridge) e Wen (Kristen Cui), já que temos as mesmas informações que eles. Estamos sentados, observando e esperando algum sentido de tudo aquilo, e também já temos nossos próprios pré-julgamentos. Assim, Shyamalan não entrega, no começo, nenhuma resposta além das dadas aos personagens, dando espaço para que o espectador escolha no que acreditar até boa parte do filme. Em um mundo cheio de horrores, maldades, preconceitos e violências, sete pessoas isoladas em uma cabana devem resolver o destino da humanidade e o maior obstáculo dessa missão não é a escolha impossível de quem sacrificar, mas sim a de acreditar.


Toda incerteza gira em torno do casal, o bom e velho debate entre a fé e a razão. Andrew, como o homem que não tem tanta fé na humanidade, com um histórico familiar de pouco acolhimento e uma ocupação que o faz ainda mais descrente da bondade das pessoas, é quem descarta a todo momento a possibilidade da proposta dos quatro estranhos ser real. Eric é o mais otimista, que acredita mais nas coisas e nas pessoas, talvez por ter vivido menos traumas e por ter recebido apoio familiar - além, é claro, das crenças religiosas - começa a questionar e a acreditar no apocalipse desde os primeiros sinais. Essa dualidade pode ser facilmente aplicada à audiência do filme, que até certo ponto não tem informações suficientes para ter certezas, acreditamos ou não apenas de acordo com nossas impressões, traçadas, assim como no caso do casal, a partir de nossas referências de mundo, experiências e julgamentos. O diretor chega a separar Eric e Andrew visualmente diversas vezes nos planos, inclusive usando Leonard (Dave Bautista) como o divisor, como se essa dúvida fosse o fator que os afasta.



Como o drama familiar e as crenças são temáticas sempre tratadas nas obras de Shyamalan, no seu novo filme não seria diferente. O foco está naquela família, tudo acontece no espaço contido da cabana, trazendo uma catástrofe mais uma vez para ser resolvida em um pequeno núcleo. Foi assim em Sinais (2002), em que a ameaça mundial também só era acompanhada pela televisão e o foco era a resolução entre a família. Aqui ele também dialoga com Fim dos Tempos (2008), talvez o filme mais odiado do diretor, mas agora tudo é trabalhado de forma mais objetiva, deixando espaço apenas para o que realmente importa e controlando o olhar para dar a tensão de algo gigantesco em um espaço tão pequeno e transmitir a sensação de um medo coletivo através de poucas pessoas.


Fica extremamente claro em Batem à Porta qual é a verdade sobre os acontecimentos e suas consequências para o mundo, da mesma forma que ele nos joga nesse lugar desconhecido, no qual podemos escolher no que acreditar, ele também nos tira e responde nossas perguntas. Há uma questão sobre Redmond ser ou não o homem que agrediu Andrew no passado, momento em que o diretor esconde a verdade para tirarmos nossas conclusões, mas logo depois a resposta oficial é dada e confirmada mais uma vez ao final. A existência do filho de Adriane também é colocada como incerta, mas também é confirmada. O fim do mundo é também atestado e repetidamente comprovado depois de certo ponto. Shyamalan não quer deixar incertezas nem pontas soltas, por mais absurdo que seja, é o que é, acreditando ou não. Mesmo que Andrew continue lutando para não acreditar, o mundo está acabando. Mesmo que fiquem dúvidas em quem assiste, as respostas não param de ser dadas, expostas sem rodeios. Mas, acreditar é uma escolha difícil, ainda mais quando falamos de acreditar em pessoas, desconhecidos, e ainda que saibamos que é impossível um homem do tamanho de Leonard sair por uma pequena janela de banheiro, talvez alguns de nós precisem checar para ter certeza.


Os julgamentos e preconceitos são levantados constantemente no filme, do princípio em que o casal acredita ser vítima de um grupo homofóbico até o ponto em que Andrew questiona salvar uma humanidade que os odeia. Mas também na forma como enxergamos os quatro mensageiros. Leonard é um homem com aparência ameaçadora, mas desde os primeiros planos o filme tenta nos aproximar dele como alguém gentil. Adriane é agitada e tem comportamentos erráticos que a fazem parecer alguém facilmente manipulável, mas também é mostrada em dados momentos como alguém doce e cuidadosa.



É claro que podemos ver muito de toda a carreira de Shyamalan aqui, mas Batem à Porta parece sintetizar um sentimento mundial pós-apocalíptico que não poderia ser mais atual. Uma tragédia, ainda que seja compartilhada por muitos, afeta cada pessoa, ou cada família, de uma forma diferente. Não há motivos específicos para que Andrew, Eric e Wen tenham carregado esse fardo - e talvez essa seja a única resposta que não teremos - assim como ninguém é escolhido a dedo para sofrer uma perda ou um trauma, embora sempre pareça ser o caso.


Posso apostar que muitas pessoas não escolheriam acreditar que a humanidade merece uma segunda chance, mas está claro há anos que Shyamalan acredita e muito nisso.


Nota da crítica:

4/5





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