CPH:DOX 2025 | Youth (Homecoming)
- Raissa Ferreira
- 7 de abr.
- 4 min de leitura
Wang Bing finaliza sua trilogia em tom melancólico, enquanto os trabalhadores se deslocam do urbano para a área rural, enfrentando o escasso tempo que lhes resta
Depois de introduzir ao público os trabalhadores têxteis de Zhili, na China, em Spring, e se tornar muito mais crítico e contundente sobre a sociedade chinesa e a exploração de mão de obra nas fábricas em Hard Times, Wang Bing fecha sua trilogia com Youth (Homecoming) ao som ensurdecedor das máquinas de costura para, em seguida, observar a calmaria do final da temporada, logo antes do ano novo chinês. Os dois longas anteriores seguem uma fórmula parecida, ao seguir os personagens em suas jornadas operárias, chegando ao final das obras junto com os períodos de início das negociações com os patrões e, já nos últimos minutos, acompanhar seus retornos para casa. No terceiro documentário, no entanto, começo é fim e fim é começo. As máquinas vão fazendo menos barulho até que todos estejam viajando para a zona rural, em suas províncias afastadas da cidade, acompanhados pela equipe de filmagens.
Youth (Homecoming) registra as dificuldades de negociar pagamentos, como nos outros dois capítulos, mas passa mais rapidamente para observar a árdua passagem da cidade ao campo, em trens, carros e ônibus, espaços apertados, muitas malas e obstáculos nas estradas. Bing se aproxima mais de seus personagens, que em Spring e Hard Times são muitos e muito diversos, para representar os cerca de 300 mil trabalhadores migrantes, e agora entra em suas casas, conhece seus familiares, frequenta suas festas captando as tradições dos casamentos e do ano novo, focando em histórias mais individuais por algum tempo. O momento que poderia ser pensado como uma pausa nas jornadas absurdas nas fábricas, para finalmente estar com entes queridos, aproveitar a vida na área rural e festejar, revela uma juventude que está rapidamente vendo os dias passar sem de fato, os viver, com o tempo roubado em troca de uma promessa vazia de capital.
Os filhos que chegam em casa para encontrar pais e avós, se apressam para realizar tudo que precisam em suas cidades antes de retornar para mais uma temporada de trabalho. Um casal que está saindo de Zhili já o faz pensando em deixar suas coisas por ali para voltar ao mesmo emprego. Outros casais correm para realizar seus casamentos durante a folga, no frio pesado da época de ano novo. Se Hard Times é o filme mais angustiante da trilogia, o capítulo que concentra a crítica mais ativa de Bing, Spring é uma introdução e Homecoming a obra mais melancólica, que amarra a ideia de toda aquela exploração, os salários escassos e as condições terríveis, com as tristes motivações da juventude que se desloca de casa para ganhar dinheiro e as consequências disso tudo na figura geral e individual. O resultado é compreender que a matemática não funciona e a lógica só rouba suas vidas.
Perto das duas horas de filme, Youth (Homecoming) passa a alternar o rural com a cidade, colocando as duas realidades em choque, o urbano sempre no escuro da noite e as paisagens verdes e brancas na clara luz do dia. Além do interesse de Bing pelos ciclos da vida, esse paralelo também questiona a situação atual e o futuro de uma sociedade que está envelhecendo e tem os mais novos atrelados a maquinários, impossibilitados de construir suas perspectivas. Embora os casamentos sejam celebrados, a noção de família se volta para um quarto apertado, ou um dormitório com outras tantas pessoas, em que marido e mulher passarão meses como colegas de trabalho nas fábricas de costura. A lua de mel é mais provavelmente em Zhili, irmãos convivem juntos se conseguem emprego na mesma loja, outros tantos jovens nem imaginam futuro com as condições financeiras que possuem. Enquanto isso, os mais velhos passam os dias na área rural, quase sem contato com os jovens, aproveitando apressadamente seus retornos no ano novo.
Tudo que ocorre nas províncias em que os trabalhadores moram é apresentado no filme com uma noção de urgência e pressa. O tempo sempre parece escasso, uma relação direta a como em Zhili os prédios iguais parecem presídios e, agora, nos grandes espaços no campo, as grades são a janela temporal que espreme essas pessoas em poucos dias de “descanso” para logo retornarem a suas funções mecânicas. Ainda assim, Youth (Homecoming) é provavelmente o filme mais calmo dos três, pois toda essa pressão é impressa pela melancolia dos relatos e da montagem, alternando entre o trabalho e as áreas rurais, passando menos tempo nos sons das fábricas e na sede crítica que é tão forte em Hard Times.
Em um dos casamentos, uma música anuncia o retorno da primavera. Não demora muito até que Bing apresente a cidade escura novamente, com pessoas ainda mais jovens, novos casais empolgados, buscando emprego nas fábricas de roupas. Fogos de artifício celebram, em uma nota agridoce, a cena corta para o som das máquinas, um homem jovem costura e costura e costura. Bing, atraído pelos ciclos, fecha o seu próprio, tristemente anunciando que mesmo que algumas lojas estejam fechando e o som das ruas na cidade pareça ainda muito quieto, no começo da temporada, a primavera vem em seguida, assim que as festividades encerram, e é tempo de novas vidas serem roubadas. A negociação, diz uma das empregadoras, pode ser acertada depois, para quem acompanhou as quase 9 horas que o cineasta apresentou, sabe-se muito bem onde isso vai chegar.
Esse texto faz parte da cobertura do CPH:DOX Copenhagen International Documentary Film Festival 2025
Nota da crítica:
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