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Crítica - Código Preto (2025)

Atualizado: 17 de mar.

O casamento segundo Steven Soderbergh


Código Preto Crítica

A dúvida é o primeiro elemento apresentado por Código Preto, antes mesmo que Steven Soderbergh introduza a dinâmica entre o casal principal. São as costas de George (Michael Fassbender) que a pessoa espectadora acompanha. A câmera o segue até que alguém o diga que sua esposa, Kathryn (Cate Blanchett), está em uma lista de suspeitos. Quem assiste só a conhece em cena depois, a suspeita ao seu redor a precede. Há de se pensar que tal qual um Sr. e Sra. Smith, o longa seguirá uma caça entre espiões repleta de cenas de ação, armas e emboscadas. No entanto, o que Soderbergh pretende é um ensaio sobre o casamento, e os relacionamentos modernos, que se aproveita dos códigos do filme de espionagem. Ao inserir um conflito, uma crise em torno de uma tecnologia roubada que pode levar a dezenas de milhares de mortes, centralizando os principais suspeitos em regimes românticos, já que o grupo forma três casais em diferentes acordos e contratos, o filme tem como base essa trama batida do subgênero, mas não se interessa tanto por ela, pouco se aprofunda, até por isso a enxerga de forma banalizada, o que realmente importa são os relacionamentos. 


Quando Severus é roubado, George une seus colegas de trabalho em um jantar que revela-se uma dinâmica de jogos mentais. Até certo ponto, o longa alimenta a ideia da suspeita do homem em relação à esposa, mas sempre demonstrando sua cautela e proteção. O ponto de vista que comanda Código Preto é o de George, mas sua persona contida e fria, tal qual em O Assassino, não permite que quem assiste desvende totalmente seus pensamentos. A personalidade de Kathryn contribui com as dúvidas, assim como todos nesse jogo são dignos de receio, principalmente devido à linha de trabalho que os leva a mentiras e segredos. Então, como se relacionar romanticamente com alguém em que não se pode confiar totalmente? Que sempre tem uma desculpa perfeita para mentir? O código “Black Bag”, traduzido para “código preto”, pouco destrinchado no filme, é facilmente compreendido como uma tarefa obrigatória que não deve ser discutida, a muleta perfeita para esconder a verdade. 


Com os casais mais jovens, em namoros recentes e menos firmes, Soderbergh aproveita esse clima que a espionagem proporciona, satirizando a fragilidade de seus compromissos. Traições, insatisfações sexuais e outras frustrações são colocadas na mesa, sempre controladas por George, que garante que a roleta não apontará para seu casamento. As tensões explicitam o quanto é fácil colocar os casais uns contra os outros, da jovem Clarissa (Marisa Abela) que prefere homens mais velhos e cobra as infidelidade de Freddie (Tom Burke), que as nega ferozmente, até a psicóloga Zoe (Naomie Harris) frustrada com as imaturidades do jovem que vem se destacando na empresa, James (Regé-Jean Page), todos são manipulados pelos jogos mentais de George. Mas, a questão é que tudo que o protagonista faz é apenas escancarar as verdades, apertar os calos para que esses casais confrontem os problemas que já existem. Tudo isso acompanhado do roteiro sagaz de David Koepp, cheio de diálogos longos e afiados, que transforma os embates entre os personagens em praticamente uma sessão de terapia de casal, ou casais. 


Vê-se então que a trama banal de espiões, russos, CIA, armas nucleares e afins, é batida por um propósito, algo que pode ser encontrado em tantas outras obras, mas que serve apenas para dar corpo à dinâmica dos personagens, o que Soderbergh realmente se interessa e torna interessante. O filme até brinca bastante com a percepção de quem o assiste. Sem revelar totalmente as intenções, muitas vezes dá margem para suspeitas ao redor de Kathryn, se ela não está de fato traindo George, no sentido profissional. Mas, como o ponto de vista vem do protagonista, cabe também à pessoa espectadora confiar no que aquele homem pensa e sente sobre a própria esposa. Como em um casamento, essa instituição tão falida ultimamente, assistir a Código Preto pode levantar questionamentos e dúvidas, mas acreditando-se na relação estabelecida, fica mais fácil compreender como os fins justificam os meios.


Enquanto os relacionamentos mais novos são expostos em suas fragilidades, mentiras, traições e desconfianças, o casamento de longa data entre George e Kathryn revela-se exatamente o que os boatos dizem, sólido e perfeito. A monogamia irritante, citada logo nas primeiras cenas, nunca foi tão interessante, e é retratada com um tesão proveniente da conexão e lealdade. Mais do que corpos que se atraem, são as mentes e como ambos trabalham juntos nesse universo particular do casal. Entre eles, as promessas de não mentir, ao menos que seja muito necessário, se tornam preliminares na cama e o “mataria por você” é literal, as dúvidas podem até existir, mas se resolvem bem dentro do casamento. Mesmo sem conversarem exatamente sobre o que está acontecendo, os dois agem um em prol do outro, nunca um contra o outro. Romântico, mas muito classudo também, Código Preto foi chamado por aí de “filme de espionagem para adultos” e, de fato, ele elimina as cenas de ação e se concentra em algo muito excitante depois de uma certa idade, a parceria verdadeira. 



 

Nota da crítica:

4/5


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