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Crítica - Grand Tour (2024)

Miguel Gomes divide sua narrativa em melodrama e comédia, passeando pela Ásia para homenagear o cinema e brincar com a busca do homem branco no oriente

Grand Tour Mubi Crítica

É 1917 quando Edward (Gonçalo Waddington) aguarda no porto, com flores nas mãos, a chegada de sua noiva Molly (Crista Alfaiate), da qual ele já não se recorda mais do rosto. Ela vem para que eles finalmente se casem, após sete anos de noivado. É uma não-história de amor, filmada em preto e branco, de acordo com a época e com vastas homenagens ao cinema. O homem covardemente entra em pânico e foge para Singapura antes de encontrar a mulher e, a partir daí, Miguel Gomes guia a pessoa espectadora por uma viagem que alterna seu já citado saudosismo cinematográfico, a uma proposta documental contemporânea. A jornada se divide em duas, uma reflexão existencial, que remete ao exotismo que o longa retrata - citado em dado momento como uma busca do homem branco por compreender a cultura oriental -, toda pautada no melodrama e no primeiro cinema. E, na outra metade, a comédia de costumes que acompanha um trajeto mais teimoso e curioso. 


Atravessando a Ásia, Edward é um britânico que fala um português de Portugal, quase incompreensível. Seu tom é sempre mais sóbrio e, enquanto ele passa a escapar da noiva, ela lhe manda telegramas ao longo do caminho, sempre tentado o encontrar. Molly, por sua vez, é divertida e alegre, ri da covardia do pretendente. Sua risada, inclusive, é elemento que Gomes enfatiza, mas se torna enfadonho rapidamente. A divisão entre as duas perspectivas revela um homem pequeno e cheio de medos, e uma mulher persistente e bem humorada. Ambos acabam descobrindo muito sobre si mesmos no caminho, cada um enxerga o mundo de uma forma, e isso é absorvido por como o longa conduz suas narrativas separadamente, e, da mesma maneira, cada um chega a suas conclusões por seus próprios meios.


Como Edward não se lembrava do rosto de Molly, ela é construída de forma muito abstrata para quem assiste ao filme. Sua apresentação só é permitida de forma concreta quando o noivo finalmente começa a lembrar de seus traços. A cena seguinte já fita seu rosto alegre, muito diferente do futuro marido. Ela, que até metade de Grand Tour era apenas uma ideia assinando telegramas, cria vida e dá nova vida ao longa. Edward para de fugir, de certa forma, e seu reconhecimento de Molly a torna real na narrativa. Do outro lado, ela se permite viver e dar uma pausa nas buscas, mas quando as retoma, com certeza de que dessa vez encontrará o noivo, tem sua história encerrada. O amor tragicamente impossível age como uma força do destino, impedindo a comédia e o melodrama de se unirem.


A alternância das imagens em preto e branco com as cenas documentais contemporâneas revela que o interesse de Gomes por desvendar a cultura oriental é o mesmo de Edward. A narração que vai mudando de idioma conta a história com ajuda das filmagens do presente, conectando pelo cinema todos os tempos e todas as línguas. Grand Tour é uma viagem de um amor incapaz de se concretizar ou de se comunicar, como a própria jornada humana em terras desconhecidas. Ou melhor, como o homem branco que vê esse exotismo no oriente e, embora nunca pertença àquele espaço, siga buscando a si mesmo. 


Gomes ironiza essas e muitas outras coisas, principalmente por como seus personagens britânicos são atores portugueses falando em português, rejeitando o inglês “universal” e faz referência ao cinema a todo o momento. A história de amor clássica jamais seria retratada com tanta desconexão e sem jamais permitir ao casal a chance de ficarem juntos, mas Grand Tour usa seus personagens e suas trajetórias mais como desculpa para atravessar China, Filipinas, Japão, Tailândia e Vietnã, ligar passado e presente e usar a história do cinema como linguagem principal. 


 

Nota da crítica:

3/5


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