Simples e potente, longa de Luciano Vidigal aposta no retrato afetivo dos laços criados entre pessoas, escapando de um lugar comum dramático
“Comunidade” é possivelmente a palavra que melhor descreve Kasa Branca, o que pode remeter primeiramente a quem lê, ao espaço urbano em que os personagens residem, na periferia de Chatuba, no Rio de Janeiro, mas que no longa tem significado verdadeiramente por como os indivíduos se unem para viver, não apenas sobreviver. Luciano Vidigal, que também assina o roteiro, preza pelas relações afetivas que se conectam ao espaço retratado. As cenas nem sempre se ligam de forma muito azeitada, já que a obra se concentra muito mais na leveza de um cotidiano comum, exaltando o apoio entre as pessoas, do que em um controle narrativo dramático. Então, não há um grande conflito inflamado, não se elaboram momentos que partem para o ápice ou o alívio, os personagens buscam seus sonhos, como viver de música, e enfrentam as dificuldades de cuidar da avó doente e fugir do aluguel atrasado com o mesmo tom, sempre permeados pela confiança de que aqueles que estão ao seu lado ali permanecerão. Dé (Big Jaum), Adrianim (Diego Francisco) e Martins (Ramon Francisco) formam uma rede de apoio, no sentido menos clichê e mais verdadeiro do termo, que se estende aos personagens secundários como Talita (Gi Fernandes), se é que existem personagens secundário aqui, já que o filme importa-se muito mais em retratar essas pessoas como um conjunto do que dentro de hierarquias tradicionais. Em Kasa Branca não são ignoradas as dificuldades, a falta de dinheiro, as dores e problemas, mas estes são integrados a um cotidiano mais amável, que refuta os tradicionais filmes que exploram a miséria, buscando justamente no fator humano a resposta e saída das equações mais injustas da sociedade. Assim, um banho de piscina na caixa d’água é filmado com contrastes visuais, de cores e luzes, e erotismo, valorizando a vivência do momento, a excitação, e uma cobrança de aluguel vira uma piada com o mais famoso terror found-footage, não uma apreensão terrível pelo despejo. Há acolhimento em cada ação, seja quando seu amigo larga o posto em um assalto ou na hora de arrecadar os remédios que Dona Almerinda (Teca Pereira) precisa.
É constante nas andanças dos amigos pelas ruas os encontros que perguntam a Dé sobre sua avó e oferecem ajuda. Algo comum para os brasileiros, o “se precisar de algo pode contar comigo” aqui é verídico. Vem na forma de um cartão de crédito emprestado, uma força cantando em uma festa, a venda de objetos para diminuir uma dívida do outro e o coletivo que se esforça para fazer o encontro com um pai ausente acontecer. Essa figura paterna (Babu Santana) de Dé, inclusive, é trabalhada mais uma vez por Vidigal recusando qualquer drama tradicional. A problemática existe e é reconhecida, mas cabe apenas ao personagem resolver sua situação, com apoio dos amigos que o observam de longe, enquanto uma possível elevação do peso, da dor ou tristeza ficam de fora, centrando-se na sutileza de dois homens negros vivenciando uma relação de abandono, sendo capazes de conversar sobre seus sentimentos e os colocar em entendimento. O discurso político está enraizado nas vivências, nas imagens e ações dos personagens, não é didático nem entregue mastigado. Não há caminhos óbvios ou comuns no que Vidigal propõe, mas algo simples e bonito de ver e sentir. As cenas que enquadram os três jovens com Dona Almerinda à frente em sua cadeira de rodas resumem o efeito geral do longa, essa pequena comunidade caminha lado a lado, não deixa ninguém para trás.
Kasa Branca valoriza o espaço urbano em que seus personagens estão, não enxerga nele um empecilho para suas vidas, como algumas obras fazem, pelo contrário, é em Chatuba que está a solução. Garantindo que cada personagem tenha seu próprio desenvolvimento e personalidade, a vizinhança se torna quase um sinônimo de família, que vai se ligando por amizades, por como Dé é padrinho da filha de Talita e a acompanha ao cobrar a pensão com o pai da menina, por como a mãe de Adrianim é a com melhores condições financeiras e por isso possibilita ajuda no tratamento de Dona Almerinda e por como os três jovens se colocam como irmãos. Assim, é comum nas cenas que os atores se coloquem na profundidade, na retaguarda de quem está completando uma ação, um apoio visível pela encenação e sensorial por como os personagens se portam com segurança. Então fica leve se expressar, romanticamente, sexualmente, sentir tristeza, medo ou tesão, não há julgamentos ou vergonhas, assim como as rusgas entre os amigos são facilmente resolvidas, o que prevalece no trabalho de Vidigal é a força que esse apoio afetivo legítimo pode provocar na sociedade, porque o sistema é falho, então a resposta está nas pessoas.
Nota da crítica:
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