Usando os suspenses de investigação como meio para seu horror, Osgood Perkins se destaca na construção de atmosfera e preservação do mistério
Com alguns poucos longas na carreira, pode-se dizer que Osgood Perkins tem alguma simpatia pelo diabo. É claro que as referências mais óbvias citadas quando o assunto é seu último trabalho são O Silêncio dos Inocentes e Seven, ambos lançados em época próxima aos acontecimentos vistos em Longlegs, com identificação rápida pela foto de um carismático Bill Clinton na sala do FBI, mas é o filme de 2015 do mesmo diretor o que mais pode ajudar a compreender sua visão atual. The Blackcoat’s Daughter é um horror de atmosfera tanto quanto Longlegs, em que o satanismo é extremamente presente. Dividindo a temática e a forma de a abordar, o longa anterior revela como Oz Perkins trabalha seus mistérios de forma a retratar o diabo como uma figura mitológica, das sombras, que exerce poder na mente das pessoas, sem nunca o remover desse véu obscuro. São os espaços que constroem a tensão, algo já visto no passado, mas que agora, em Vínculo Mortal, demonstra o domínio do diretor nos planos. Alongando a profundidade e distorcendo as imagens, há sempre a expectativa para o que está ao fundo, brincando com a observação que espera ver algo que não está lá, aumentando a apreensão a cada cena para um terror que estaria à espreita, mas na verdade está muito às claras. Perkins não esconde exatamente seu diabo, mas o mantém no mistério que garante o peso de seu imaginário, trabalha essa entidade pela crença mais simples, do maniqueísmo principal da humanidade, o bem e o mal do céu e inferno, o satã de chifres, do vermelho e do escuro, o Baphomet dos sacrifícios pagãos. Mas, a construção de seu horror confere a ele ainda mais poder pelo fato de nunca o desvendar, e nunca o usar como ferramenta de susto fácil, mantendo-o no fundo, por trás, na silhueta preta que preserva seu imaginário terrível. O medo e a tensão do terror de Longlegs vem assim como The Blackcoat’s Daughter pelo que não pode ser totalmente compreendido, a mitologia maligna primordial, o mal que não é descarado, mas se reserva e assombra. Assim, seu domínio da atmosfera é o grande feito que sustenta o filme e o faz um exercício de linguagem, de como os planos funcionam para manipular sensações.
Pensar essa trama pura e simplesmente pela investigação policial que remete às obras já citadas é um caminho possível mas redutivo. Essa base é muito mais um meio para Osgood Perkins do que seu fim. Lee (Maika Monroe) é uma protagonista que se aproxima da elaboração estrutural de outros gênios em suas áreas de trabalho com pouco traquejo social, sua movimentação robótica indica uma personalidade travada que poderia ser facilmente associada a sua intuição investigativa, mas que se desenrola numa ligação ao próprio cerne dos assassinatos que tenta desvendar. No entanto, além disso, é importante ver como Longlegs reduz sua parte policial coesa para focar-se muito mais no horror sobrenatural. Lee não passa muito tempo tentando compreender o alfabeto do serial killer, assim como ele mesmo não fica oculto do espectador, não naquele ponto de vista trocado que alguns filmes empregam, em que o vilão é acompanhando de perto na observação, mas Perkins faz questão de já inserir na primeira cena Nicolas Cage extremamente caracterizado - talvez o diretor que melhor compreendeu como usar o ator em sua fase atual da carreira - e colocar seu nome nos créditos nos primeiros segundos. Não há o que esconder, a pessoa que estão procurando é dada muito claramente, desmistificada, sobrando esse suspense para suas intenções e o que realmente rege seus atos. O trabalho policial existe muito mais em um entendimento pessoal de Lee com seu passado e como ele a liga a esses crimes, algo muito comum nos filmes de terror dos anos 90 e começo de 2000, em que protagonistas precisavam desvendar em pesquisas e buscas quem estavam enfrentando.
Ainda que isso nunca seja levado ao ponto de destacar uma epifania do que é revelado da detetive como clímax da narrativa, a investigação dos crimes é reduzida para dar espaço a Lee encontrando sua própria história. Os signos usados pelo serial killer pouco importam depois de certo ponto, os triângulos, símbolos e qualquer racionalização que possa ser aplicada é insignificante perante o horror que não pode ser posto em lógica. Perkins brinca com isso ao colocar uma grande explicação dos ocorridos pela voz da mãe, em que apenas o que faz sentido pode ser compreendido, mas existem aspectos que vão além da razão e se reservam à tensão do oculto, do incompreensível. Dessa forma, ele trabalha algo que atualmente é cada vez mais usado no cinema de terror, os momentos didáticos, mas sem subverter o caminho que vem tomando, preservando suas intenções. É possível descobrir que a mãe de Lee se associou ao satanista e assim entrou nas casas de pessoas de fé, mas a explicação estaciona ao passo que o funcionamento maligno das bonecas, a forma como o diabo manipula a mente das famílias para matar, e seus objetivos, moram apenas no mistério obscuro, longe de um entendimento lógico.
Longlegs choca, portanto, o trabalho policial calculado com o horror da fantasia imaterial para permitir que a partir de sua atmosfera sempre seja mantido aquilo que mais assombra, o incompreensível. Osgood Perkins trabalha a profundidade de campo a todo momento para brincar com essa noção, assim como distorce com a grande angular o mundo ao redor de seus personagens, porque não é a investigação comum para encontrar um serial killer seu objetivo, mas o que se esconde por trás disso, a adoração ao diabo, o oculto que imaginamos no fundo escuro, a silhueta de chifres que acompanha Lee. Nessa sofisticação da decupagem, parece algo mais complexo e profundo, mas é puramente o primeiro medo instaurado por qualquer crença pautada na luta do bem contra o mal, da luz contra a escuridão, o velho conhecido Satã que, ao ser preservado por Perkins nesse véu pesado que banha as cenas de vermelho, passa de uma simples figura mitológica conhecida - e que pode ser trabalhada de tantas formas - para um horror que ultrapassa a compreensão. A racionalidade empregada na estrutura investigativa é, portanto, apenas meio para construir a visão que Longlegs - Vínculo Mortal possui para o terror, de que o mistério e a construção de expectativa é mais chave para assombrar do que o choque ou o susto fácil das grandes revelações.
Nota da crítica:
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