Buscando o homem por trás das composições marcantes, Alfredo Manevy conecta vida e momentos à música, revivendo o legado de Lupicínio Rodrigues
Ao abrir seu filme com as canções escritas por Lupicínio sendo interpretadas por grandes nomes através do tempo, Alfredo Manevy já é capaz de criar uma ponte entre o presente que pode não se lembrar, ou nunca ter ouvido falar de Lupi, com a fonte de tantas músicas marcantes. É possível que muitas pessoas ao escutarem Nervos de Aço ou Felicidade se lembrem das letras em uma ou outra voz mas não saibam quem as escreveu, afinal Lupicínio faleceu em 74 e uma das grandes missões do documentário é mostrar como o artista foi pouco creditado em vida. Na verdade, existem muitas temáticas levantadas aqui enquanto a história vai sendo contada, talvez a equipe de pesquisa e o próprio diretor não sabiam de início quantas possibilidades poderiam surgir e, por isso, algumas delas são pinceladas rapidamente ou se emaranham entre muitas entrevistas. Um desses pontos importantes é o tempo, refletido sempre que um artista é mostrado cantando uma letra de Lupicínio em anos diferentes, quando são debatidas suas composições em tempos atuais ou quando uma nova versão é criada e modernizada em um palco em tempos bastante recentes. A música de Lupi se mostra eterna e maleável para se encaixar nas épocas, o próprio parecia não ter problemas com modificações, e assim, Alfredo Manevy se coloca como um historiador que busca finalmente dar nome, rosto e crédito ao pai da dor de cotovelo. Ao mesmo tempo, o filme busca o conectar com sua própria família e raízes, entender sua humanidade, os amores que viveu, seus deslizes e como sua música se encaixa em tudo isso, além de todas as injustiças que sofreu recebendo pouco e nem sempre sendo reconhecido. A abordagem documental se mostra bastante comum e linear, e entre os tantos tópicos, talvez fique um pouco dispersa, mas ainda se faz muito relevante para mostrar ao mundo e possibilitar às novas gerações conhecer quem foi Lupicínio Rodrigues.
Há uma característica muito marcante nas obras de Lupi que atravessam todos os temas e entrevistas, a carga dramática e romântica de suas letras é sempre muito destacada por todos, seja chamando de brega ou afirmando que ressaltam uma tal de “cornitude”. Em peças tão pessoais assim, que refletem sentimentos tão intensos, seria impossível não ligar o artista a sua obra e, embora Vingança e tantas outras tenham sido gravadas diversas vezes em muitas vozes e melodias, a alma dessas músicas mora nas vivências muito particulares de Lupicínio. Dessa forma Lupicínio Rodrigues: Confissões de um Sofredor já leva no título essa essência e vai costurando no tempo a vida do compositor para compreender como cada letra foi escrita e em que contexto. Das primeiras namoradinhas ao casamento, da vida dupla com a segunda família ao ciúmes da esposa, e até mesmo uma resposta às críticas que recebia de seu trabalho, o documentário mostra como cada obra de Lupi era construída por sua própria verdade, seus sentimentos mais crus, lapidados de forma poética. O debate da controvérsia desses versos nos tempos de hoje se mostra quase desnecessário e por isso dura poucos minutos, as músicas do boêmio pertencem a uma certa época e a um certo estilo de vida, tudo bastante explicado pelas imagens de arquivo, de jornais, áudios de entrevistas e outras contextualizações inseridas, mas se uma coisa ou outra pode soar complicada hoje em dia, outras ainda demonstram uma sensibilidade que caberá em qualquer tempo.
Entre interpretações de deboche que compreendem a sofrência, a dor de cotovelo e a cornitude de suas letras, e pessoas que pouco conheciam o talento desse homem, a carreira de Lupicínio foi marcada por grandes feitos e nomes, todos bastante destacados no longa, até mesmo uma indicação ao Oscar lhe foi roubada e grandes artistas ainda o tem como grande referência. É inegável seu legado, e por mais que encontre alguns desvios em sua narrativa, todas as possibilidades mostram um esforço coletivo de criar um caminho para que o nome de Lupi não caia no esquecimento, para que todo crédito que lhe foi usurpado no passado não passe batido. Assim como a música, e outras artes, o cinema tem o poder de eternizar e saindo das sessões é bem possível que muitos fiquem com uma ou outra letra na cabeça, sabendo bem quem a escreveu.
Filme assistido a convite da Agência Lema e O2 Play
Lupicínio Rodrigues: Confissões de um Sofredor chega aos cinemas brasileiros em 14 de Março de 2024
Nota da crítica:
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