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Crítica - Motel Destino (2024)

Em meio a crimes e futuros incertos, Karim Aïnouz oferece um espaço descolado do tempo e do mundo em que os desejos se liberam enquanto o destino trabalha

Crítica - Motel Destino

Provavelmente a coloração é o primeiro ponto a chamar atenção em Motel Destino, banhado pela luz solar, com a saturação valorizando os tons (ao invés de os remover, algo costumeiro do cinema mainstream atual), a mise-en-scène de Karim Aïnouz dá vida aos espaços e aos corpos, deixando as peles avermelhadas como se estivessem queimando. O calor do Ceará está em todas as cenas, palpável como qualquer um de seus personagens, emanando de um céu gigante e luminoso que parece ser o próprio sol. É nesse cenário que Heraldo (Iago Xavier) existe inserido em um vida de crime com seu irmão, não nas ruas, em um submundo clandestino, mas à beira de piscinas, nas areias próximas da água, com grupos vestidos de forma colorida e maquiados com delineadores. Não à toa, a chefe que determina o destino do protagonista é também artista, pintora de quadros marcados pelo uso de cores. Mesmo na morte trágica, provocada por um deslize do acaso, Karim busca mais vida do que pesar em sua encenação, mais luz do que escuridão, obrigando Heraldo a encarar sua reviravolta dolorosa às claras. O jovem que só quer seguir em frente, buscar novas oportunidades longe do nordeste, tem seu futuro colocado em pausa por ações que não tem controle, seja pela chefe ou no fatídico encontro com Isabela Catão, que nos poucos minutos que está em cena, é determinante para a jornada do personagem central, alterando para sempre sua história. O encontro de Heraldo com Dayana (Nataly Rocha) no motel abre uma fenda no espaço-tempo, um lugar em que ambos - pessoas que querem viver mais do que as possibilidades em que estão atrelados no momento - podem explorar seus desejos e existirem em uma pausa descolada do universo exterior até que encontrem um caminho para fora. 


A instituição “motel” por si só, algo muito brasileiro, já é uma fuga que funciona além do mundo real. Pessoas comuns e de todos os tipos entram em seus portais, a pé ou em veículos, para desfrutarem de algumas horas desligadas de suas rotinas normais. Entre luzes coloridas, banheiras com espuma e camas diferenciadas, esses ambientes servem para todas as ânsias, do romance aos fetiches, do arroz com feijão às orgias. Karim Aïnouz compreende esse aspecto particular da existência e utilidade dos motéis para criar seu Motel Destino como um cenário que serve a seus personagens. Dentro dos portões, Heraldo se esconde do perigo, do passado e de seu luto, é como se ao entrar nesse espaço o tempo mudasse e o que está lá fora dificilmente o pudesse encontrar. Mesmo quando chegam perto, atravessam seu mesmo portal, as paredes ainda o isolam, a vida de crime que o caça não é mais sua maior ameaça. No Destino parecem só existir ele, Dayana, Elias (Fábio Assunção) e eventualmente o outro funcionário. As cores das suítes, os ambientes muito marcados e os sons constantes de gemidos e da trilha sonora, constroem de fato o motel como um universo paralelo e, nesse lugar, o corpo de Heraldo desperta desejo em todos os habitantes. A dinâmica entre os personagens é de tesão sempre, coordenados como em uma dança, todos parecem atraídos uns pelos outros, ou quase isso, e uma tensão sexual permeia os contatos. Quando falamos de tesão, é comum que algumas pessoas entendam que isso é algo puramente erótico pelo sexo, mas essa descrição vai muito além de um contato físico partilhado entre duas ou mais pessoas, é também uma pulsão de vida, vontade, amor e paixão, seja em relação a outros, a si mesmo ou com o mundo. É isso que sobra em Heraldo e Dayana, ambos querem seguir seus caminhos, se livrar daquilo que os mantém estagnados, sobreviver e viver, mas aproveitam essa pausa para pulsarem juntos, deixam seus desejos aflorarem e culminarem em uma relação apaixonada.


Dentro do motel todos os personagens parecem ter vontades que gritam para não serem reprimidas, mas só o casal clandestino é capaz de as levar adiante. Elias, claramente sente atração por Heraldo, e Karim utiliza essa tensão muito bem para encenar os dois personagens em uma dualidade de violência e tesão. A morte caminha ao lado da vida tanto quanto do sexo, assim o vilão quase caricato de Fábio Assunção carrega certa complexidade nessa briga consigo mesmo e seus próprios instintos. Essa representação é muito atrelada aos animais, tão presentes nos fundos do local, esses seres que seguem seus ímpetos naturais sem racionalizar. Heraldo está mais próximo disso, em sua juventude, o filme aproveita a inexperiência de Iago Xavier para construir esse protagonista um tanto inocente pela própria fase da vida, junto a uma inconsequência destemida típica de quem está muito mais ansioso pelo que vem a seguir em seu caminho do que o que pode dar errado agora. Ele e Dayana abraçam instintos e representam a partir de seus corpos o rompimento total com o medo, ela sempre rindo frente aos perigos, ambos nus, totalmente abertos ao mundo sem vontade de esconder suas peles descobertas. 


Entre o motel em que anseios explodem e os personagens crescem, e o mundo externo de grandes espaços que os engole, há muito tesão por seguir adiante, assim nenhuma distância é obstáculo, eles caminham em longas estradas, se movem sempre em frente, mas é apenas o próprio destino que opera determinantemente em suas vidas. Ele define que Heraldo estacionaria por algum tempo no Motel Destino e que a vida dele e de Dayana se alterariam a partir disso, e também impõe o fim de Elias, que morre brigando contra suas vontades reprimidas. Ninguém tem controle sobre as jornadas já estabelecidas, nesse mundo criado e dominado por Karim Aïnouz cada um pode tentar moldar seus futuros incertos, mas já existe algo escrito, o que há de se fazer é aproveitar o que a vida lhes apresenta e ceder a seus desejos. 


Filme assistido a convite da Sinny Assessoria e Comunicação e Pandora Filmes

Motel Destino chega aos cinemas brasileiros em 22 de Agosto de 2024

 

Nota da crítica:

4/5


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