Nanni Moretti reflete sua resistência e o quanto o mundo e o cinema mudaram, para criar sua própria utopia que mesmo melancólica não deixa de carregar a costumeira alegria do diretor
Quem conhece o cinema de Nanni Moretti já está acostumado com alguns de seus elementos, é um estilo muito próprio dele, que vem de tantos anos e que em sua maioria, carrega uma alegria diretamente ligada à excentricidade desse cineasta. Mas, o mundo mudou, o cinema e o espectador estão diferentes, na era dos streamings, de narrativas rasas e de novas formas de enxergar o romance, a violência, o horror e afins, que lugar seus filmes terão? É palpável que Nanni se sente velho, ficando para trás nesse mundo das plataformas e dos novos diretores e seus pensamentos modernos. Tudo está em transformação e ele quer fazer um filme comunista dos anos 50, mas os elementos do futuro ficam invadindo seu set - o cigarro eletrônico provavelmente o mais sintomático dessa nova geração - e enquanto isso, sua esposa que também o quer deixar para trás, faz um filme com um diretor mais jovem, com outras visões. O italiano engraçado que conhecemos de outras obras é inflexível, e agora esse se torna seu traço mais importante, Nanni está cercado por mutações mas não quer as aceitar, bate de frente com a atriz que quer mudar seu roteiro, se choca com a filha que ironicamente namora um homem muito mais velho, não consegue compreender o divórcio e mesmo que essas e outras tantas coisas esbarrem em sua barreira de teimosia, não há o que fazer, o mundo mudou e querendo ou não, ele vai tendo que se encaixar como dá e tenta visualizar como criar sua própria utopia nesse cenário atual. A política, que sempre atravessa suas narrativas, volta a ser importantíssima, não apenas por ser foco de seu habitual filme dentro do filme, mas por também ser uma fuga desse mundo em que estamos hoje. Nanni não deixa de nos alegrar com sua imaginação e seu jeito de ser, mas a melancolia invade a obra em um pessimismo não somente com o presente, mas também com o futuro.
Debatemos constantemente, entre apreciadores do cinema e dentro dos filmes, o quanto estamos assistindo a mais uma morte do cinema, mas poucos diretores souberam refletir sobre esse momento de forma tão cômica quanto Nanni, que se retrata em uma mesa de reunião com a Netflix para tentar vender seu filme. O diretor, que sempre se coloca tão autêntico em tudo que faz, não enxerga espaço para sua arte nessa era dos streamings, vê nos Coreanos a nova potência comercial da sétima arte e acaba cedendo a eles, mesmo que não compreendam seu filme. Esse senhor que não quer mudar não tem escolha às vezes, mas ainda pode contornar o quanto precisa ser flexível para navegar nas novidades do mundo e do cinema, e se vender a ponto de mudar totalmente sua obra para receber uma grana da maior plataforma de streaming - distribuída em 190 países - não está nem um pouco nos planos. Mas ainda dá pra trocar a motinho por um patinete, aceitar o namoro da filha, dar espaço para a esposa viver outras coisas, o que não dá é ver um diretor filmando uma cena de violência de qualquer jeito, recorrendo até a Scorsese e todas suas referências do passado para dizer que esse cinema de agora está todo errado, é raso, não sabe o que faz, Nanni ainda é o italiano inflexível, algumas coisas nunca vão mudar, ainda bem.
Colocando gerações em embate, o diretor não perde seu bom humor mesmo quando deixa seus sentimentos pessimistas invadirem a obra, pessoas velhas e novas entram em contraste, elementos do passado e do futuro, filmes e formas de narrativas de décadas passadas com os do presente, tudo vai se entrelaçando mas Nanni parece se retratar cada vez mais sozinho nesse lugar. O filme que imaginou terminaria de forma trágica para um velho senhor, aquele gás que vemos em outros de seus filmes parece estar se cansando, ele ainda é um cineasta muito apaixonado, obstinado em fazer as coisas de seu jeito e seguir tudo que acredita - e em fazer os outros seguirem também - mas há uma atmosfera de que talvez seja difícil para ele encontrar seu lugar no futuro. O Nanni que sabia que não precisava filmar o que era importante para o mundo, mas sim o que trazia alegria a sua vida, de Abril (1998), agora não tem mais a energia de ver um filho nascer e ter todo um caminho enorme a ser explorado pela frente, nesse momento é o contrário, na verdade, sua família começa a crescer para outros e diferentes caminhos, assim como o cinema que ele era acostumado a ver e amar. Assim, ele pensa como criar um novo cenário utópico, principalmente politicamente, e subverte seu final trágico para algo mais otimista e estampado por pessoas mais velhas, um lugar de fuga disso tudo.
Não há um caminho promissor pela frente, então é preciso escapar para outra realidade e entrar de vez no filme, no cinema onde é possível imaginar qualquer mundo, unindo passado e presente mas, aos poucos, removendo esses jovens da tela, colocando rostos maduros a preenchendo. Vai ver para Nanni o futuro fica para essa nova visão e quem a carrega, para ele e quem não está lá muito feliz com as mudanças, o sonho comunista cinematográfico parece um melhor lugar para se estar. Mas, para nós que amamos seu trabalho, fica a torcida que ainda tenhamos muitas outras histórias suas para ver nos próximos anos.
Filme assistido a convite da Sinny Comunicação e Pandora Filmes
O Melhor Está Por Vir chega aos cinemas brasileiros em 4 de Janeiro
Nota da crítica:
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